A Democracia à moda europeia

|Hélio Bernardo Lopes|
Nos dias que vão passando tornou-se evidente que a prática da democracia, mormente nos Estados do Ocidente, é algo que se procura evitar a todo o custo. E compreende-se que seja assim, uma vez que o neoliberalismo que assentou arraiais visa o lucro a qualquer preço, com a globalização a ajudar a uma festa tão terrível para a generalidade dos povos.

Como tenho já referido por diversas vezes, o descontentamento com as políticas e os políticos de hoje deriva desta situação que atinge, de um modo terrível, a generalidade dos povos do mundo. Além do mais, as pessoas vão percebendo facilmente que toda a política é conduzida à revelia da satisfação dos seus direitos mais essenciais, apenas viradas para servir os detentores dos grandes interesses.

As reações patéticas da nomenklatura neoliberal mundial em face dos resultados que vêm surgindo nas eleições que ainda permanecem mostram que a democracia, tal como sempre funcionou, está por um fio. Tudo está em seguir-se um caminho que ponha em causa o pântano político e social que a ação daquela nomenklatura criou, um pouco por todo o mundo.

Vimos isto mesmo com o BREXIT, onde agora se tenta evitá-lo através da politização da Justiça. Afinal, a vontade maioritária da população, solicitada pelo poder político eleito, mal se pronuncia contra o expectável – a continuação do pântano, posto em andamento pela tal nomenklatura – passa logo a não valer. E como aquele poder político (ainda) não tem lata para dar o dito por não dito, procede-se, então, à instrumentalização do poder judicial. A democracia, portanto.

Logo depois, a espetacular vitória de Donald Trump. Num ápice, passou a culpar-se, creio que pela primeira vez, o sistema político norte-americano. E isto ao mesmo tempo que John Kerry – mister Kechup – nos vem agora manifestar aa sua esperança de que as instituições da soberania dos Estados Unidos continuem a funcionar nos termos constitucionais. Ou seja, escolher Obama um juiz da sua cor e ideias é naturalíssimo, mas ser Donald Trump a fazê-lo talvez seja um horror. A democracia, portanto.

Mais um pouco, e aí nos surgiu a eleição presidencial austríaca. Um horror, porque poderia vencer o candidato de certo partido por aqui dito de Extrema-Direita. Mas – vá lá – tudo se saldou, para já, num alívio. Esta decisão já foi democrática, porque a contrária seria um perigo terrível. A democracia, portanto.

Logo de seguida, o referendo italiano. Bom, uma derrota estrondosa. Mas também em Itália parece que todos vencem sempre numa eleição. Sendo evidente que o resultado ocorrido se deveu à fartura do euro e da própria União Europeia, a verdade é que Renzi, afinal, vai continuar. A democracia, portanto.

Em França operam-se os preparativos para a próxima corrida ao Eliseu. Tudo deverá vir a decidir-se entre Fillon e Marine, embora numa segunda volta e em favor do primeiro. Quase certamente com uma imensidão de votos do dito Partido Socialista Francês. Um partido que dispõe, para já, do candidato Manuel Valls. O tal que, há uns dois anos, propôs que o seu partido substituísse a palavra “Socialista” por uma outra. Um socialista democrático da melhor cepa. A democracia, portanto.

Por fim, Espanha. Já sem estranheza, eis que um qualquer juiz pretende agora proibir, e por toda essa Europa, que se saiba, através do tal consórcio de jornalistas de investigação, quem são os que fogem ao pagamento de impostos em Espanha, bem como o lugar de que deitam mão para operar uma tal atuação. Um juiz a quem não ocorre operar uma qualquer investigação ao que se vem noticiando, antes tenta impor a censura à liberdade de informar. Entre nós e perante tal iniciativa, os ditos democratas nem uma palavra proferem. A democracia, portanto.

Mesmo por fim, as recentes palavras sorridentes de Clara Ferreira Alves no último O EIXO DO MAL. Diz Clara que ter um PCP no cerne do funcionamento democrático é até interessante, mas que já o não seria se o partido tivesse uma maioria bem mais ampla. Mesmo traduzindo a vontade livre dos eleitores, se conduzisse a uma maioria absoluta já se não sorriria. É a democracia ao vivo, portanto. Objetivamente, uma farsa. Funciona, mas enquanto convier. A democracia, portanto.

Por tudo isto e pelo imensamente mais que se conhece, não custa compreender os resultados que vêm surgindo em sucessivas eleições por esse mundo fora. Mas pode não servir para nada, porque a democracia está hoje reduzida a uma objetiva farsa. O recente caso italiano é a prova disto mesmo. Tem, pois, razão Porfírio Silva, ao salientar que, hoje, a União Europeia é como a União Soviética, mas sem KGB. E que é feito dos democratas de antanho, tantos ainda, felizmente, no seio da nossa companhia? Que é feito deles?!

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