Pressão intolerável

|Hélio Bernardo Lopes|
O decurso da escolha do novo Secretário-Geral da Nações Unidas criou em Portugal, logo desde o momento em que se soube que António Guterres era candidato ao cargo, um estado de alma que acaba por violar, objetivamente, a liberdade de pensar dos próprios portugueses.

Nos termos de quanto se tem podido ver, quem não apoie António Guterres, ou se determine a apoiar um outro candidato, é olhado e colocado como um autêntico antipatriota. Isso mesmo nos foi dado ver nesta passada sexta-feira, no programa, EXPRESSO DA MEIA-NOITE.

Foram quatro os convidados, como usualmente. Simplesmente, destes quatro convidados três tiveram relações muito diretas com a Igreja Católica em níveis e tempos distintos. José Milhazes foi um antigo seminarista até à Revolução de 25 de Abril. Pedro Silva Pereira foi Editor de Informação da TVI, logo no seu início, quando a estação era ainda o canal televisivo católico. E José Miguel Bettencourt é doutorando na Universidade Católica Portuguesa, depois de nela se ter licenciado e mestrado. Ou seja, três concidadãos com raízes, tal como refiro ao início, na Igreja Católica. E raízes fortes. Estes nossos concidadãos apoiam todos a candidatura de António Guterres, ele mesmo um católico de sempre e sempre apontado como da Opus Dei.

Em contrapartida, Mário David, apoiante de Kristalina Georgieva, tem vindo a ser alvo de uma acusação, mais ou menos às claras, de ser um traidor. Ora, isto mostra o terrível risco desta candidatura de António Guterres, que nada tem que ver com o socialismo ou com o neoliberalismo. Se alguma coisa tiver que ver, será na base das suas ligações longínquas e profundas à Igreja Católica.

Um dado é certo: os que o apoiam vêm mostrando, e em crescendo, uma intolerância para com a liberdade de escolher dos que, em Portugal ou lá por fora, possam optar por outro candidato que não António Guterres. E não é difícil perceber que se Guterres fosse militante do Bloco de Esquerda, ou do Podemos, ou fosse islamita, evangélico ou ortodoxo – não esqueçamos o que se passou entre a Igreja Católica e o major-general Fernando Passos Ramos, que era evangélico...–, e tivesse até agora tido os resultados que se conhecem, raros em Portugal se mostrariam defensores da sua vitória. Talvez nada dissessem, nem sim nem não, mas antes pelo contrário...

Se a tudo isto juntarmos a ideia que tem vindo a ser brandida da necessidade de mudanças, mormente no Conselho de Segurança – o Ocidente persiste em reavivar a Guerra Fria, como se vai vendo pelos tendenciosos noticiários televisivos sobre a guerra levada pelos Estados Unidos à Síria –, percebe-se que uma vitória de Krytalina Georgieva não trará sobressaltos ao mundo, certeza que a vitória de Guterres não comporta.

Um dado é já certo: começou a ter lugar em Portugal uma espécie de caça às bruxas, estas tomadas por quem tenha o atrevimento de não apoiar a candidatura do católico António Guterres. Haverá de compreender-se que se trata, indiscutivelmente, de um muito mau sinal. Um sinal, por acaso, até parolo, porque transforma esta corrida numa do tipo da légua, com Guterres a ser o nosso atleta. E já agora: que mudanças defende António Guterres para a ONU, muito em especial ao nível do Conselho de Segurança? E ainda: acha por bem introduzir na estrutura das Nações Unidas uma agência para o diálogo entre religiões, e quais delas e com que efeitos práticos, mormente no respeitante à separação entre os Estado, as Nações Unidas e as Igrejas? Por tudo isto, tome o leitor o cuidado de a si mesmo responder a esta pergunta: está em curso no mundo, ou não, uma guerra religiosa?

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