Combater o crime económico e financeiro

|Hélio Bernardo Lopes|
Não fiquei admirado com o veto do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ao diploma sobre o sigilo bancário, uma vez que se tinha já manifestado contra a ideia.

Mas achei espantosos os argumentos apresentados, mormente pelo facto (conhecido e reconhecido) de serem a corrupção e a fuga ao justo e legal pagamento de impostos autênticas epidemias no seio da sociedade portuguesa. Epidemias que, deste modo, continuam a possuir campo livre para continuarem a desenvolver-se. Uma infelicíssima decisão política do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que, estou firmemente convencido, nunca teria lugar se os portugueses, com o essencial bom senso, tivessem escolhido para Presidente da República o académico António Sampaio da Nóvoa.

Os argumentos que têm vindo a ser apresentados ao redor deste tema têm-se mostrado inacreditavelmente distorcidos. Imagine o leitor que eu fosse um vigarista, refastelado com uma conta bancária com cerca de três milhões de euros e que vinha crescendo, desde há muito, de um modo razoavelmente consistente, sendo a reforma do casal da ordem dos três mil euros mensais. E suponha, ainda, que eram constantes as viagens de carro a países europeus, nestes me mantendo, com a minha mulher, por razoáveis bons períodos. E ainda que, mesmo em Portugal, as refeições em cassa fossem coisa rara. Que autoridade portuguesa poderia, nestas condições, descobrir que eu seria um vigarista? Quer a minha opinião? Pois, nenhuma. E é por ser esta a realidade que os Estados Unidos forçaram a Suíça e a União Europeia a fornecerem os dados bancários dos cidadãos norte-americanos. É que não existe outro caminho para resolver um tal problema.

A menos que alguém arguto se determinasse a operar uma denúncia anónima, assim obrigando à abertura de um inquérito por parte da Procuradoria-Geral da República, nunca as autoridades descobririam o que poderia passar-se. Com essa denúncia anónima, porém, de pronto se ficaria a saber, por via de autorização de um juiz, o tal montante que eu e a minha mulher teríamos na nossa conta – ou contas – bancária. Surgia, deste modo, um primeiro indício de que algo de autêntico pudesse estar contido na tal denúncia anónima.

Ora, tem sido dito, erradamente, que, num tal caso, teríamos de ser nós a ter de explicar a inocência legal em face da discrepância em causa, o que é redondamente mentira. Quem teria de descobrir uma tal fraude seria o Ministério Público, para tal operando as necessárias diligências probatórias de culpabilidade do casal. Só então, se acaso fossemos culpados e disso existisse uma evidência forte em princípio, seríamos os dois constituídos arguidos e, porventura, acusados mais tarde. O que é certo, é que nenhum juiz, procurador ou polícia é adivinho, ao ponto de perceber que este ou aquele cidadão tem uma situação financeira familiar incongruente. Se não existir uma denúncia anónima, como perceber a existência de uma tão profunda discrepância? Bom, nunca se poderá descobrir.

É nesta situação que Portugal vai agora continuar, ou seja, sustentando o desenvolvimento quase linear da fuga aos impostos e da corrupção. As autoridades competentes vão continuar tolhidas na sua possibilidade de poderem vislumbrar o alarme que resultaria, em imensas situações, de se poder comparar o que se declara com o que se tem. É este o preço da lamentável decisão do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Iremos, pois, da má situação em que nos encontramos para uma outra sempre pior.

Acontece, contudo, que os bancos vão ser obrigados, já no próximo ano, a reportar operações offshore a partir de quinze mil euros, tal como, em certo aviso recente, decidiu o Banco de Portugal. Mas também as entidades não sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, com base na sua situação financeira, passam a ter de garantir o registo e comunicação dos serviços de pagamento que prestem e que tenham como beneficiária pessoa singular ou coletiva sediada em ordenamento jurídico offshore. A uma primeira vista, também esta medida irá contra a parte primeira do argumento político do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Mas mesmo nesta situação, é essencial que a Supervisão do Banco de Portugal atue de um modo forte e uniforme ao longo do ano. E irá este novo diploma ser por igual vetado? E o que se propõe agora fazer o Governo? Pleno de razão, como realmente está, o que irá fazer? Deixar as coisas irem, nestes domínios, de mal para pior?

Por fim, uma chamada de atenção, já há dias abordada pelo colega de Marcelo Rebelo de Sousa na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Eduardo Paz Ferreira: afinal, o Governo está longe de poder governar e de poder aplicar o seu Programa de Governo, uma vez que o Presidente da República vem atuando um pouco para lá da linha constitucional delimitadora. Os resultados da ação do Governo, para lá das limitações criadas, por razões estritamente ideológicas, pela União Europeia – pela Alemanha e nórdicos –, estão também a ver-se fortemente limitados pelos constantes entraves políticos do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Importa, pois, que os portugueses compreendam , e recordem mais tarde, que o modo de governar do Governo não é o seu e o aprovado na Assembleia da República, mas o que acaba por lhe ser autorizado. E quando o tema é o do combate à fuga aos impostos e à corrupção, bom, as consequências são terríveis.

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN