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|Hélio Bernardo Lopes| |
Tal como sempre pude perceber, num ápice a TVI noticiou que António Guterres era português, católico e da Europa Ocidental. Nunca duvidei de que a candidatura de António Guterres disporia, com a mais absoluta certeza, do apoio ativo da diplomacia vaticana, mormente nos países do Conselho de Segurança que não tivessem uma predominância religiosa não católica. Ou seja: esta candidatura dispôs também, para lá do apoio ativo – competentíssimo e muito eficaz – da diplomacia portuguesa, do operado pela diplomacia vaticana, nomeadamente junto dos países onde a religião predominante fosse a católica ou a esta recetiva.
Acontece, porém, como pôde ver-se – sobretudo, saber-se –, que António Guterres foi, de longe, o candidato vencedor em mérito relativo. Para lá desta evidência, nós sabemos que se trata de alguém dotado de qualidades superiores e vastas, pelo que este resultado também traduz o reconhecimento do mérito de António Guterres, de parceria com a necessidade sentida pela Comunidade Internacional de valorizar a imagem e o papel da ONU.
Devo dizer, contudo, o que sempre escrevi e disse sobre António Guterres: ele foi um muitíssimo bom Primeiro-Ministro e que teve a coragem de deixar o poder para evitar que o País, por via da ação política da Direita, o lançasse num pântano. Precisamente o que ontem recordou, em Belém, Guilherme d’Oliveira Martins. Fico agora à espera da próxima afirmação de um jornalista sobre essa de Guterres ter dito que saía por Portugal estar num pântano... As cambalhotas da nossa Direita e da nossa comunicação social, sempre à procura de destruir tudo o que possa ter derivado da Constituição de 1976.
Por fim – neste aspeto que venho desenvolvendo –, não deixo de recordar a pressão intolerável, tipicamente clubista, como a nossa grande comunicação social foi tratando a candidatura de António Guterres e o próprio candidato. Dele fizeram uma singularidade universal, uma espécie de pré-santo, lançando insinuações de traição aos que, porventura, pudessem apoiar uma outra candidatura, naturalmente por razões e entendimento político preferencial para o mundo. Vejamos agora um pouco do futuro.
Em primeiro lugar, o cargo de Secretário-Geral quase não dispõe de poderes. No fundo, esses poderes centram-se no Secretariado e nunca no Secretário-Geral. O que significa que, ao nível político internacional, a ação de António Guterres deverá ser, acima de tudo, preventiva.
Em segundo lugar, a tão badalada alteração da estrutura do Conselho de Segurança não dispõe hoje de condições para ser operada, como já tenho referido e tão bem ontem salientou Francisco Seixas da Costa. A pressa é inimiga da ponderação e do êxito. E António Guterres conhece muitíssimo bem – tão bem como eu – que a generalidade dos problemas estruturais dos povos do mundo, tal como vem referindo Francisco, se devem ao modelo neoliberal, consumista, egoísta e criador de abismos sociais. E também que os Estados Unidos vêm promovendo uma ação de cerco à Rússia desde que Putin chegou ao poder, pondo um fim na venda da Rússia a pataco às oligarcas económicas e financeiras norte-americanos.
Em terceiro lugar, António Guterres tem de operar as essenciais mudanças na estrutura funcional interna das Nações Unidas, em ordem a agilizá-la e desburocratizá-la. E tem de levar o seu espírito – o da ONU e da sua Carta – às sete partidas do Mundo, consensualizando ativamente com os Governos e Grupos de Estados a resolução de problemas de extrema gravidade, muito em especial para a situação da crianças e da saúde pública.
E, por fim, António Guterres deve começar já a trabalhar, mormente com os atuais membros permanentes do Conselho de Segurança, no sentido de que, no quinquénio seguinte, se opere esta regra: a grande estratégia de cada um desses Estados deve merecer a aprovação dos restantes quatro, para lá de garantir um fim na militarização das zonas de fronteira entre Estados. Nos casos em que possam subsistir dúvidas, os Estados deverão aquiescer em terem nessas suas fronteiras polícias das Nações Unidas. E mais: de um modo que admito como simples, António Guterres dispõe de condições pessoais para pôr um fim definitivo na situação coreana. Mesmo noutras situações desagradavelmente inúteis e perigosas.
Contrariamente ao usual nestas situações, hoje sempre se tem falado, nos dois locais em que estive, desta vitória de António Guterres, sendo raro falar-se de política. Foi um dia de grande alegria.