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|Hélio Bernardo Lopes| |
Desses mil e um casos, abordo aqui os da legionella, o que se diz poder vir a ser a posição do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa sobre a legislação ao redor do sigilo bancário e as recentíssimas explicações de Júlio Castro Caldas, na Assembleia da República, ao redor do confisco de bens pelo Estado. Três temas que mostram como Portugal se encontra extremamente limitado em matérias as mais diversas, todas condicionando a real modernidade e o seu desenvolvimento.
Em primeiro lugar, o caso dos mortos por legionella, por acaso à dúzia, para já não referir os muitos mais com evidente incapacidade para continuar a dispor de uma vida em condições físicas normais. Sem espanto, eis que, com a maior das normalidades, nos vêm agora dizer que não há nada a fazer, porque não existe legislação aplicável! Diga-se o que se disser, esta mais recente notícia ainda consegue criar nos portugueses um verdadeiro espanto. E sempre gostava de saber se tudo isto seguiria esta mesma dinâmica se um dos atingidos fosse, por exemplo, um qualquer Presidente da República...
Acontece que os mil e um juristas que vão polvilhando os nossos canais televisivos constantemente nos referem não ser necessário mexer na legislação, porque a mesma cobre já suficientemente bem o funcionamento da nossa vida comunitária. Pois, o meu conselho é este: as famílias das vítimas que se queixem no Tribunal Europeu de Justiça, onde, com toda a certeza, virá a ser feita justiça.
Em segundo lugar, o caso da legislação que o Governo aprovou sobre sigilo bancário. Noticia-se agora que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa poderá vetar o diploma. Simplesmente, se assim vier a suceder, o Estado passa a ficar privado de se conseguir alertar para discrepâncias entre o que se recebe e o que se declara, em face do que realmente se possui.
Só é possível combater a fuga ao pagamento devido dos impostos se o Estado puder, entre outros meios, conhecer o património de cada um e de cada família. Não existe outro meio. Cada dia que passa traz-nos casos de pessoas que foram acumulando riqueza sem explicação, mesmo às claras, sem que ninguém se determine a expor às autoridades competentes o que se passa. Da população, como se conhece de Portugal, nem uma referência Nem as autoridades parecem conseguir perceber o que todos veem.
O caso mais recente, passado em Vila Real, onde um búlgaro escravizava um bom lote de concidadãos seus, era do conhecimento razoável de muita gente, mas só se soube do mesmo porque dois dos escravos conseguiram fugir, procurando as autoridades. Por iniciativa da população, a única coisa que teve lugar foi algum apoio aos escravizados, em alimentos e lavagem de roupa.
Assim, impedir o Estado de conhecer o montante global nas condições propostas pelo Governo acaba por ser, de facto, mais uma dificuldade colocada ao Estado no combate à fuga ao justo e devido pagamento de impostos. Mais uma garantia de que Portugal não conseguirá seguir em frente, rumo a uma situação mais justa.
E, em terceiro lugar, as recentes considerações de Júlio Castro Caldas, na Assembleia da República, sobre a legislação relativa a enriquecimento injustificado. É muito provável que tenha razão, mas isso não deve impedir que se ande para diante. Bastará que a Autoridade Tributária, detetado um caso, no lugar de confiscar bens, proponha tal a um juiz que decida sobre o caso. Seguir-se-á o correspondente julgamento, que tomará uma decisão final. E isto, naturalmente, já não é inconstitucional.
O que estas três situações mostram é que em Portugal tudo pode muito bem ser nada. Pode morrer-se por via da atividade de certa empresa e tudo ser simplesmente nada. Pode fugir-se ao devido pagamento de impostos, sem que o Estado possa resolver tal problema usando os métodos mais lógicos e evidentes. E pode dispor-se de grande riqueza, praticar-se um ilícito, e nada ser confiscado pelo Estado. É o Estado de Direito Democrático em Portugal e no seu melhor.