Aos papéis

|Hélio Bernardo Lopes|
Como qualquer um de nós conhece já perfeitamente, os portugueses, graças à transparência da nossa vida em sociedade, ficaram verdadeiramente aos Papéis da Mossack Fonseca. E ninguém imagina – nem os escritores mais criativos de temas policiais – que algum dia algo venha a ser conhecido por estas bandas. A partir do momento em que se falou de políticos e de jornalistas, a dissipação das novidades teve uma aceleração incomensuravelmente superior à do fumo de um cigarro.

Não se deu isto com os Estados que alumiam duas vezes, como agora se está a ver com a Dinamarca. Por isso mesmo, eles vivem bem e nós sempre à espera do regresso do prejuízo. Basta escutar as lideranças do PSD e do CDS/PP, e logo se percebe que, por ali, só a continuação da anterior desgraça social, mas de modo mais veloz e global.

Pois, o Governo Dinamarquês determinou-se agora a pagar perto de um milhão e duzentos mil euros, a fim de comprar informação fidedigna que permita conhecer os contribuintes suspeitos de evasão fiscal. A seguir, proceder-se-á nos termos determinados pelas boas e justas leis dinamarquesas.

Por entre nós, como seria de esperar, nem uma palavrinha sobre esta realidade. E logo a começar pelos jornalistas, pelos comentadores, pelos analistas, pelos magistrados, advogados ou polícias. E se alguma conversa vier a ter lugar, será logo para nos ser dito que a procura da verdade não justifica descer-se tão baixo como andar a comprar informação útil. Isto para cá dos mil e um argumentos e salamaleques logo trocados entre os porventura convidados (a dedo). A nossa comunicação social livre, muito diferente da angolana, da norte-americana ou da russa...

No entretanto, parece que, em Genebra, as autoridades terão detido o alegado informador dos Papéis da Mossack Fonseca, embora o jornal alemão que recebeu a documentação acredite que a pessoa em causa não se trata da fonte principal do caso.

Como se vê, o crime quase não se descobriu – e quase por todo o mundo –, mas quem o denunciou – não tinha outro modo de o fazer – é que foi detido. Será ouro sobre azul se João Soares conseguir perceber como funciona, no mundo ocidental, o tal seu constantemente brandido Estado de Direito Democrático, agora ampliado de Social pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Conversas...

Por fim, uma naturalíssima consequência: Joseph Stiglitz, Nobel da Economia, e Mark Pieth, penalista de renome, deixaram os seus cargos na estrutura internacional criada após o escândalo dos Papéis da Mossack Fonseca, destinada a investigar o sistema financeiro do Panamá e da Suíça, porque o governo do primeiro recusou comprometer-se com a divulgação do resultado da investigação. Dos Estados Unidos, mormente de Obama ou da líder da Reserva Federal, nem uma palavrinha...

Tudo isto, junto ao salto quântico silencioso que se abateu sobre o caso em Portugal – sim, porque nós temos a comunicação social livre e a democracia transparente, ao contrário de Angola...–, mostra bem o modo criminoso global das ditas democracias de hoje. Objetivamente e a menos de um ínfimo de dúvida, valem zero. Tarefas bem remuneradas e que sustentam prolongados e inúteis tempos de antena. Por aqui se vê que – aqui, não em Angola, claro – temos o Estado de Direito Democrático… Ah, e Social!

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