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|Hélio Bernardo Lopes| |
Se eu tivesse tido conhecimento deste mecanismo, teria uma opinião diferente, mas, porventura, por outras razões que não apenas as mui altas qualidades que sempre reconheci em António Guterres.
Acontece que nós conhecemos hoje que, afinal, esta engrenagem não é única, nem vinculativa. E, de facto, teria de ser assim, dado que os Estados, no âmbito da Comunidade Internacional, não têm um estatuto de facto idêntico. Aliás, isso mesmo se passa com a União Europeia. É, de resto, sempre foi assim, incluindo em certas escolhas da vida dos Estados.
Ora, esta nova candidatura da búlgara Kristalina Georgieva é inteiramente legal e legítima. De resto, nós não estamos numa maratona, mas num concurso limitado, regido por regras de todos conhecidas, não necessariamente democráticas, e onde a conjugação de interesses está fortemente presente e de um modo não explícito. E essas regras permitem que a nova búlgara possa candidatar-se. Portanto, a metáfora apresentada pelo Presidente Marcelo Rebelo de Sousa simplesmente não colhe.
Não deixa, porém, de ser estranho que tanta gente da nossa vida pública – excetua-se Mário David – apoie António Guterres depois de ter dito da sua governação as cobras e os lagartos que se puderam ler e escutar! Até das suas funções como Alto Comissário para os Refugiados se teceram críticas com alguma – pequena – frequência. Não há muitos dias, um grande jornal norte-americano dizia precisamente que a sua ação nas suas anteriores funções terá estado longe de se mostrar eficaz. Não sei, em todo o aso, se o referido jornal aponta as causas para o que escreveu. Este caso da corrida de Guterres à liderança da ONU faz-me lembrar a formação do atual Governo de António Costa. Diziam o PSD, o CDS/PP e o Presidente Cavaco Silva que, tendo o PSD sido o partido mais votado, seria a ele que competiria formar Governo. O problema é que era preciso conseguir tal, o que nunca teve lugar. O que se deu foi a solução que se conhece.
Assim está este caso de Guterres na ONU: não basta ser o melhor dos que se apresentaram ao início, mas sim que consiga ser aprovado para o cargo, o que tem de satisfazer a certas regras. É o que está em vigor. E sempre me pareceu estranho que Vladimir Putin, e mesmo a República Popular da China – porventura, a própria França –, pudessem apoiar a candidatura de António Guterres. Escreverei sobre esta minha ideia numa outra ocasião, mas desde que António Guterres não venha a ser o próximo Secretário-Geral da ONU.
Termino com as palavras do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, há talvez uns dois anos e meio, quando ainda mantinha o seu programa de entretenimento dominical: desde o meu segundo ano de Direito que aprendi que, no domínio do Direito Internacional Público, o que conta é a vontade dos maiores. Esta é que é a realidade.
Será bom, pois, no futuro próximo, sobretudo se Georgieva vier a ser a próxima líder da ONU, que se ponha um cobro neste mecanismo inútil, dado que o nosso Presidente da República tinha, naquele tempo do seu comentário, a mais cabal razão. Há que evitar este tipo de aparências. E já agora: que é feito das mulheres e da sua luta pela igualdade de género? O que será que está em jogo que acabou até por calá-las? Se o futuro o vier a permitir, eu explicarei o que está em jogo nesta eleição. O que está e o que poderia estar.