Finalmente!

|Hélio Bernardo Lopes|
Foi repleto de alegria que acompanhei o golo de Éder, que nos permitiu conquistar o novo título de Campeão Europeu de Seleções de Seniores. Um título indiscutivelmente justo e por todas as razões que se prendem com o futebol que vai pelo mundo.

Em boa verdade, este deveria ter sido o nosso segundo título nesta prova. Com um pouco de sorte, poderia mesmo ser o terceiro. A falta de linearidade que a vida em comunidade sempre comporta. Mas vamos, então, ao desempenho da nossa seleção nacional de futebol.

Em primeiro lugar, é essencial reconhecer-se, agora que o torneio chegou ao seu fim, que Portugal foi o justo vencedor do mesmo. Uma vitória, também ela, bastante longe de se nos mostrar linear, mas que comportou os instrumentos essenciais a conseguir-se a vitória sempre desejada. Em segundo lugar, ficou agora bem patente a enorme simpatia de que gozam os portugueses por quase todo o mundo, mormente por aqueles que já por aqui trabalharam. E por aqueles onde tantos portugueses de prestígio já estiveram. É uma realidade de que não pode discordar-se. O que significa a extrema simpatia da imagem de Portugal no mundo. Seria de grande utilidade que Obama e os ora candidatos à sua sucessão por aqui passassem ou falassem com Harrison Ford, a fim de verem com os seus olhos o que é, de facto, uma sociedade fortemente multirracial e de grande unidade humana e histórica. Outra loiça...

Em terceiro lugar, uma realidade para mim inesperada: foi uma competição bastante longe do que pode imaginar-se como uma estrutura uniforme. Desde logo, na distribuição que surgiu, por via do sorteio, das seleções que estiveram presentes. Portugal, como logo todos reconheceram, teve a sorte de se ver colocado num grupo historicamente considerado muito acessível.

Em quarto lugar, as grandes seleções – Alemanha, França, Itália, Espanha – estiveram longe do que de si seria de esperar. Como, de resto, se pôde ver no jogo França-Alemanha e na própria final. Se a isto juntarmos a distribuição atrás referida, percebe-se que a sorte também passou por Portugal, o que é sempre essencial e não retira mérito à nossa prestação nem à nossa vitória.

Em quinto lugar, o modo fantástico como fomos passando, na boca dos nossos comentadores televisivos, de bestas a bestiais. Embora tenham existido exceções, foi este o panorama geral. Infelizmente, o que agora se viu com o futebol é o que se vê, em matéria de acefalia analítica, com a vida da generalidade da sociedade portuguesa.

Em sexto lugar, o essencial papel de Fernando Santos, agora quase passado, também de um modo acéfalo, a uma espécie de santo. De medroso e conservador passou a uma espécie de santo, já com acesso a níveis para lá do imediato... Simplesmente ridículo.

Em sétimo lugar, o selecionador mostrou possuir as caraterísticas de humildade que, ao nível da psicologia de grupo, se requerem numa situação de tensão forte no comando de uma espécie de companhia militar. Para além dos soldados, é essencial possuir-se um bom sargento, que seja assim aceite por todos.

Em oitavo lugar, Fernando Santos conseguiu muito bem compreender o que se passava com cada uma das equipas a defrontar – sobretudo, depois da fase de grupo –, adaptando os seus homens aos objetivos a atingir. E a verdade é que o objetivo principal a conseguir ali era ganhar, nunca fazer boas exibições.

E, em nono lugar, acontece que Fernando Santos é um crente católico, como se conhece de há muito. Mas soube utilizar esta realidade na chamada à unidade dos seus jogadores. Uma unidade virada para um fim a atingir – ir tão longe quanto possível –, assim indo buscar forças que sempre ajudariam a atingir aquele objetivo. De resto, esta fé teria também de estar presente na generalidade dos nossos atletas, de um modo geral – leia-se o excelente livro de Raquel Vaz Pinto – oriundos de ambientes onde a fé sempre se constituiu num suporte para levar de vencida as contrariedades da vida. Contrariedades por vezes terríveis. Quem tiver boa memória, recordará as palavras do nosso antigo Reitor da Universidade de Lisboa, José Manuel Barata-Moura, em certa edição do PRÓS E CONTRAS, no diálogo que, já mesmo pelo final, travou com Maria José Nogueira Pinto...

Por fim, os mitos. O primeiro foi o ligado à afirmação de que Portugal ia a este torneio para ganhar. Simplesmente, isso é o que, de um modo muito geral, tem de dizer-se. Ninguém naquela posição poderá declarar que se vai lá apenas fazer uns jogos. Foi o que fez Salazar com o telegrama enviado a Vassalo e Silva. Ou o que fez Churchill para com os militares britânicos em Singapura e que vieram a ser derrotados pelos japoneses.

O segundo mito foi o de que Fernando Santos só regressaria no dia 11 de julho e com a taça. O que o selecionador nacional disse foi que iria ser bem recebido, não que traria a taça. Simplesmente, Fernando Santos, de facto, só regressaria a 11 de julho, porque tal era do interesse de Portugal, independentemente dos resultados, dado que ele iria continuar a ser o selecionador nacional e tinha necessidade de acompanhar o resto do torneio. E teria, por igual, de ser bem recebido, porque nada justificaria o contrário: teriam então passado entre duas e três semanas, se tivéssemos perdido, por exemplo, com a Hungria.

E o terceiro mito – pode ser assim considerado – foi o da sua carta. Alguém a viu? E pode dar-se credibilidade a esta realidade só surgida pelo final do jogo e depois da vitória? Claro que não! Mesmo que a carta tenha existido, nenhum decisor pode aceitá-la como algo com valor probatório. Mas há um dado que é certo: ela vai na onda do mistério que se criou ao redor da fé da Fernando Santos, que é, por igual, a da generalidade dos jogadores.

Por fim, um efeito de que não se falou até agora e se insere em quanto escrevi antes: o modo como o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa esteve presente em todo este processo. Desde logo, pela sua amizade antiga com Fernando Santos. Depois, pelo facto da sua primeira visita de Estado ter sido ao Papa Francisco. Estas duas realidades potenciaram as suas palavras de despedida da seleção, à partida para França. Logo a seguir, as constantes visitas a França, onde foi sempre acalentando a esperança e a fé no resultado final. De futuro, será interessante analisar o papel do Presidente da República neste desfecho final, bem como o aproveitamento do fator religioso em tudo quanto veio a ter lugar.

Ficamos agora todos à espera do Mundial da Rússia, já daqui por dois anos. Voltará esta tática global a surtir efeito, como se deu desta vez? Um dado é certo: Portugal saiu por cima e os portugueses puderam ver-se no espelho do mundo, e como são apreciados de uma forma imensamente geral. Parabéns à Seleção de Futebol de Portugal.

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