O centralíssimo problema das galhetas

|Hélio Bernardo Lopes|
Portugal, indiscutivelmente, é engraçadíssimo ao nível da sua vida política. Desta vez, o tema central – tema importantíssimo – foi o do par de galhetas. A verdade é que sempre se constituiu num episódio de rara graça, porque bastou andar pela rua, ou por cafés, para logo se poder ouvir o tema das galhetas. E, ou bem me engano, ou o tema terá vindo para ficar, mormente em momentos nevrálgicos.

Neste caso, não custa perceber que existe aqui um erro múltiplo – o grau de multiplicidade é deveras elevado – de João Soares. Um erro, para mais com o grau de multiplicidade que teria sempre de apresentar, que João Soares tinha o dever de evitar na sua intervenção pública.

Como facilmente se pode imaginar, o tal par de galhetas não representa uma realidade material. Não passa de uma expressão produzida na fúria da circunstância. Em todo o caso, para mais com as funções ora exercidas por João Soares, tal expressão teria sempre de não ser usada. E também creio que isto de páginas pessoais é pouco recomendável quando se exerce uma função política ministerial.

Acontece que João Soares tem a obrigação de conhecer a História de Portugal da III República, que foi sempre, em mui boa medida, um prolongamento da correspondente à da II República. Sendo assim, João Soares tem de conhecer que sempre existiu, ao nível da comunidade portuguesa da Direita, um ódio visceral ao seu pai. O exemplo mais simples de apresentar foi o que se ligou ao falso caso da bandeira, que teve lugar em Londres.

O funcionamento da democracia em Portugal permitiu que os portugueses, através de eleições livres e inteiramente válidas, tivessem escolhido Mário Soares para Presidente da República. Esse foi o acontecimento que permitiu pôr um fim na tentativa da extrema-direita da III República – tem de dizer-se democrática – de colocar Mário Soares no pelourinho da História.

Pelo lado de Maria Barroso nunca surgiram problemas. Uma realidade que se fortaleceu muito após a sua conversão católica. Passou, do ponto de vista político, e à luz da visão da tal extrema-direita, a ser uma variável política neutra. Além do mais, era mulher. E o mesmo sucedeu com Isabel Soares, que nunca se meteu em política, antes deitando-se a conduzir a vida do colégio da família. Sobrou, pois, João Soares.

Num ápice, os que sempre tentaram pôr Mário Soares no pelourinho da História mas tiveram de engoli-lo, passaram a fazer de João Soares o bombo da festa. Mário Soares, afinal, passou a excelente, mas o seu filho João a anos-luz do pai. É uma frase repetida à saciedade pelos tais que sempre foram fiéis ao Estado Novo e ainda hoje raciocinam como vingadores do seu fim. O problema está em encontrar alguém que possa servir para bater.

Ora, a ação política de João Soares tem contribuído para que lhe tenham batido à porta as consequências do par de galhetas virtual. Expressão literária, tradutora de uma fúria em que poderá ter razão e também a não tem. Um ministro não pode proceder assim, com ou sem razão. A não ser, naturalmente, numa situação muito extrema de legítima defesa (física)

Se até poderá ter tido razão de fundo no caso Lamas – já escrevi sobre o tema –, esta do par de galhetas acabou por quase o colocar no tal pelourinho em tempo distante pensado para seu pai. O caminho que João Soares tinha para prosseguir neste tipo de situações seria deixar que cada um dissesse o que entendesse e escrevesse o que quisesse. Até insultos. João Soares tem a obrigação de saber que a generalidade dos portugueses nada liga a tais conversas.

Por fim, o que João Sores teria de fazer seria, à luz do Programa de Governo para o Setor da Cultura, apresentar o seu programa detalhado de ação política, prestando contas, progressivamente, do que fosse sendo realizado. E, claro está, salientar as limitações que pudessem ainda existir, ao nível orçamental, no Setor da Cultura. Seria até muito interessante que tentasse, neste domínio, um acordo estratégico muito abrangente com os partidos que suportam o Governo, mas por igual com os da atual oposição. Tudo, pois, iniciativas que não necessitariam de pares de galhetas. Nem de pares nem de ímpares. Em todo o caso, proceeu bem, deixando a pasta que sobraçava até hoje.

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