As offshores e a democracia

|Hélio Bernardo Lopes|
O já histórico caso dos Papéis da Mossack Fonseca, acabando, como sempre poderia deduzir-se, por dar em nada, sempre comportou uma vantagem: deu nome – irá mesmo dar? – a uma realidade desde sempre percebida. E permitiu compreender a verdadeira atitude íntima dos políticos em face da máquina de imoralidade e de crime em que se constituem as offshores.

No caso português, de um modo imensamente geral, temos uma tripla realidade: quase sempre os concidadãos surgidos negam o que se noticia; CDS/PP, PSD e PS nem uma página realmente legível se propõem escrever para pôr um fim definitivo nas offshores; e, quase com toda a certeza, não surgirão resultados judiciários dignos de registo com gente de real poder. Com elevada probabilidade, pois, tudo voltará entre nós a ser nada.

Num certo sentido, estas realidades até se podem compreender, porque todo o sistema mundial se suporta numa vasta máquina de crime. A crise que surgiu nos Estados Unidos veio pôr isto mesmo à vista. E este caso de agora, dos Papéis da Mossack Fonseca, só se limitou a corroborar o que sempre se soube e estava já exposto em mil e um documentos, desde memórias e estudos a documentários. Tal como tantas vezes pude salientar, pouco se pode fazer por parte dos lamentáveis políticos do mundo de hoje, porque o sistema só pode viver por via de uma vasta e universal máquina de crime, mais ou menos legalizado.

Se cada Estado gerisse bem as suas finanças, deixaria de ter interesse a atividade económica, porque todos evitariam importar e apenas exportar. A economia internacional quase deixaria de existir, caindo-se numa situação de quase subsistência.

Paradoxalmente, o que o caso dos Papéis da Mossack Fonseca veio potenciar é a publicação, dita democrática, de legislação que venha a proibir este tipo de revelações. A prova de que assim poderá vir a ser está no jornalista francês e nos dois ex-auditores da Pricewaterhouse Coopers que se sentaram anteontem no banco dos réus, por terem passado ao Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação documentos que provavam um esquema de fuga aos impostos por parte de grandes empresas do mundo: o caso LuxLeaks.

O LuxLeaks, surgido há dois anos, pôs a descoberto a forma como o Luxemburgo, um pequeno país e paraíso fiscal, ajudou multinacionais a não pagarem impostos nos países onde atuam, sendo que o Governo do Luxemburgo, tal como as empresas citadas no escândalo, continuam a defender que as suas práticas não são criminosas. São as offshores no seu melhor, aí suportadas por uma classe política podre, que se suporta nas inúteis democracias destes dias.

A posição luxemburguesa é cínica mas simples: fugir aos impostos noutros Estados não é, para o Luxemburgo, um crime. Como o problema deixa, por esta via, de poder ser resolvido, os criminosos que correm para as offshores continuam na melhor. Talvez seja preferível pôr um fim nos impostos, com cada um lançado num totobola de vida? Mas há uma conclusão que pode já hoje tirar-se: a democracia, objetivamente, não concede aos povos um poder infimamente eficaz. Como um dia escrevi, a democracia é uma ilusão, mas que funciona.

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