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| |Hélio Bernardo Lopes| |
O que este encontro conteve de significativo deve-se a um conjunto de realidades históricas ao nível do casal meu conhecido. A senhora, oriunda de um meio muito pobre e comunista, o marido, também de origem muito humilde, mas que foi singrando no setor da restauração, chegando a proprietário de uma pequena pastelaria.
Por via da carreira de um dos descendentes, o casal vive hoje lautamente, com a casa de residência de família, mas por igual com uma segunda casa, situada numa zona muito conhecida de Portugal. Em todo o caso, mantêm uma aparência de vida simples, sem espaventos aparentes.
Como teria de dar-se, ambos se mostram contra Salazar e o Estado Novo, e ambos se dizem da Esquerda. Ou antes, diziam, porque conversas sobre temas políticos é coisa que desapareceu. Sempre que encontro o marido só, nunca a conversa sobre política surge do seu lado, ao contrário do que se passa comigo. E nas raras vezes em que a abordagem começou a partir do meu conhecido, ela deu-se sempre segundo esta regra: então que me diz a isto? A partir de certo momento passei a responder: e você, o que acha de tudo isto? Pois, a resposta era sempre esta: oiça, eu já não sei o que lhe diga!
Este meu conhecido, tal como sua mulher, continuam a dizer-se da Esquerda, mas do PS, embora, naturalmente, sem filiação. Dentro do PS, porém, acham politicamente excelentes Maria de Belém, Francisco Assis, Luís Amado, etc.. Como costumo dizer, o casal é tanto do socialismo como eu sou alemão.
Obviamente que eu reconheço todo o direito de cada um defender as posições político-partidárias que entender – neste caso nada têm de ideológicas, antes típicas de quem, nunca tendo sido socialista, apenas continua marcado por uma infância cujas causas não foram as por si referidas –, mas o que aqui acho estranho é a falta de coragem de tratar as coisas com verdade, procurando manter uma fachada de coerência a toda a prova. Em todo o caso, uma coerência que todos reconhecem ser cabalmente postiça.
Acontece que o casal sabe hoje que se conhece já – também descobri a realidade em causa – a lauta situação de um dos seus descendentes, associando-se sempre tal situação com a mudança de postura política real. Portanto, toca de continuar, quando solicitados nas conversas, a manter a posição socialista, embora a democrática...
Ora, este caso não é único, antes muito geral. É um caso que ocorre sempre que algum de nós, aqui em Portugal, se vê constrangido por algum fator limitador, seja a riqueza vasta de um descendente, seja a pobreza do próprio, mormente por via de se dispor de uma baixíssima pensão de reforma, como se deu com os membros deste casal, seja a dependência de um patrão que não tolera posições (ditas) da Esquerda. Baixas reformas que apenas se ficaram a dever aos baixos descontos praticados ao longo da vida, ou mesmo não praticados. Uma situação, lamentavelmente, muito geral em Portugal.
Por fim, um dado muito importante que se retira do comportamento deste casal e de tantos outros concidadãos nossos: mais de quarenta anos passados sobre a Revolução de 25 de Abril, a generalidade dos portugueses continua a evitar abordar a temática política, havendo mesmo quem vá votar com o receio de que se possa depois ir lá ver e ser punido por não se ter ido votar! É, infelizmente, uma realidade portuguesa muito antiga, em tempos materializada na infeliz ideia de que viver não custa, o que custa é saber viver.
