Notícias acéfalas

|Hélio Bernardo Lopes|
Com frequência crescente vêm surgindo, no domínio público, rankings os mais diversos. Mormente no plano dos resultados escolares, sempre estabelecendo uma comparação entre escolas públicas e privadas. Simplesmente, tais rankings mostram o modo acéfalo – no mínimo – como o tema é tratado pela nossa grande comunicação social.

O Estado, em minha opinião de um modo correto, estabeleceu uma base ampla e boa em termos de ensino obrigatório. Para levar este objetivo à prática, criou uma rede de estabelecimentos escolares, razoavelmente disseminada por todo o território do País. Dado que os alunos precisam de ter professores, criou-se igualmente uma estrutura de seleção e colocação destes. E, durante muitos anos, com naturais imperfeições, este sistema funcionou bem.

Como teria de dar-se, este sistema global foi sendo montado paulatina e lentamente. Não recordo – e tenho boa memória – grandes queixas, ao nível público, contra os hipotéticos grandes defeitos deste sistema global. Como não recordo, por igual, queixas fortes ou frequentes contra o funcionamento do ensino superior.

Acontece que o sistema português de educação, desde Pombal, teve sempre uma marca essencialmente pública. O que de bom se foi conseguindo daí derivou. Basta olhar, por exemplo, o caso das áreas da Economia e das Finanças. Tudo, durante muitos anos, se baseou no antigo e histórico ISCEF, hoje ISEG. Ali se formaram os que, mais tarde, foram ocupar os lugares surgidos nas novas universidades, públicas ou privadas.

O mesmo teve lugar com o antigo ensino liceal. Suportado, em geral, nos liceus nacionais sediados nas capitais de distrito, tinham a seu montante muitas escolas que apenas cobriam até ao final do antigo segundo ciclo, presentes na generalidade dos concelhos, e na rede de montante das escolas primárias. Raros se terão queixado da qualidade, por exemplo, das antigas regentes escolares, ao nível da escola primária, ou da relativa aos professores provisórios do liceu, que eram a grande maioria.

Olhando o meu caso particular, eu tive como excelentes professores de liceu um que, sendo provisório, acabou por seguir para a Fundação Calouste Gulbenkian, onde chegou a subdiretor do Serviço de Ciência. Ou um outro que, sendo também provisório, acabou por seguir a vida universitária, tendo-se doutorado. Ou um outro ainda, também provisório, que acabou por entrar para a IBM de Portugal, onde ficou até se reformar. Ainda um outro deixou o seu lugar de professor do segundo ciclo para se tornar porta-voz da TAP. Enfim, podia continuar a citar muito mais exemplos, e sempre deste tipo.

A experiência de uma vida de sessenta e oito anos mostrou, sobretudo na II República, que as figuras que atingiram notoriedade nas suas profissões, mormente nas de mais alto nível, eram provenientes de lugares os mais diversos do País e dispunham de origens sociais muito variadas. Basta recordar, por exemplo, os casos de Salazar ou de Antunes Varela. Sebastião e Silva, tal como Mira Fernandes, vieram de Mértola. Américo da Costa Ramalho provinha de Vale da Mula, freguesia de Almeida. José Pinto Peixoto nasceu e cresceu na Miuzela, também freguesia de Almeida, com José Veiga Simão a surgir na Guarda. Fernando Pinto Monteiro veio de Porto de Ovelha, tal como o irmão, António Pinto Monteiro.

Claro está que neste já longínquo tempo não havia ainda chegado esta acéfala moda dos rankings, embora existissem certeza e segurança na vida. Hoje, já com a mais ampla liberdade, aí estão estes estafados e mentirosos rankings, que nada realmente provam, dado que estabelecem erradas e falsas comparações entre escolas públicas e privadas, mas pondo completamente de lado o essencial princípio de igualdade.

A este propósito, exponho aqui uma história passada comigo, com o meu neto e com um colega seu, ao tempo do quinto ano. Este jovem tinha negativa em quase tudo, sendo que tinha de estar em casa só na parte da tarde de cada dia. Os pais teriam uma cultura com algumas limitações e também uma situação similar no plano material. Um dia, já à saída da escola, este jovem encontrou o meu neto, com a minha companhia, na esplanada de um café. Convidado por mim, sentou-se e pediu qualquer coisa. Palavra puxa palavra, e eis que o bom do jovem percebeu quais seriam os meus conhecimentos. Num ápice, olhando para o meu neto, exclamou: ah!, assim também eu... E tinha uma boa dose de razão.

Ora, estes rankings comparam, por exemplo, este jovem com o meu neto. Esquecem completamente que o pequenote acabou por reprovar, porque os pais não dispunham de tempo nem de saber para o ajudar. Simplesmente, o meu neto tem meios, se assim os pais entendessem, para estar num colégio privado com fama, mesmo que justa, mas o seu colega, que nesse ano reprovou, não teria essa possibilidade. Este jovem, se precisar de explicador não poderá tê-lo, mas se a situação tiver lugar com o meu neto, o explicador já existe, e para tudo, incluindo a própria tutoria, dada a ocupação longa dos pais ao nível do dia de trabalho.

Os colégios privados têm alunos com a situação social do meu neto, os públicos recebem tudo, ricos ou pobres, com bom suporte familiar ou sem ele, bem ou mal alimentados, bem orientados ou sem orientação alguma. E tudo isto decorre na III República, onde já se dispõe de democracia e de um dito Estado de Direito.

Por tudo isto, espero, muito sinceramente, que o Governo de António Costa ponha um fim forte nesta realidade, evitando que os nossos jovens se vejam impossibilitados de dispor do apoio essencial ao longo do ano letivo. Para uma boa imensidão dos alunos da escola pública, a escola é a grande e única fonte de apoio no domínio da promoção social global.

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