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|Hélio Bernardo Lopes| |
Neste sentido, estes últimos dois dias trouxeram novos indicadores de que as coisas presidenciais irão ser assim, mostrando que Marcelo irá continuar a ação política do Presidente Cavaco Silva, ainda que de um modo mais subtil.
Um dos momentos em que esta realidade se mostrou evidente foi o do apoio público e formal do PSD e do CDS/PP à candidatura presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa. Pelas considerações aí produzidas, e por tudo o resto, se pôde confirmar que a estratégia de confrontação destes dois partidos continua, sempre com a gastíssima lengalenga de que o Governo de António Costa é ilegítimo!! Bom, caro leitor, é o momento da gargalhada.
Mas o momento mais significativo foi o das palavras de Marcelo no almoço para que foi convidado pela CIP e pela Fundação AIP, a fim de falar sobre a Concertação Social, precisamente no dia em que aquela estrutura reunia pela primeira vez sob a presidência do Primeiro-Ministro, António Costa. Muito significativo...
O que foi, então, que ali disse Marcelo? Bom, o que os patrões pretendiam ouvir, que é o que desejam PSD e CDS/PP, e que foi o desenvolvido pela anterior Maioria-Governo-Presidente: salientou o papel do Presidente da República nesta matéria, defendendo que este deve fazer pedagogia. Por outras palavras: Marcelo prepara-se, se for eleito, para intervir nos temas laborais. E, dado que nunca esteve do lado dos trabalhadores, assim fará no exercício da função presidencial. E por isso logo referiu que é preciso preservar o espírito de concertação social e que esse deve ser um objetivo de todos os órgãos de soberania. Imagina-se a vaga de sorrisos e palmas por parte de toda audiência patronária...
Só que, lá pelo meio das suas considerações sobre a Concertação Social, Marcelo também falou de política e do País. Referiu, então, que Portugal se encontra dividido em dois países políticos. Simplesmente, esses tais dois países terão dimensão diferente, como se vê pela distribuição dos parlamentares. Como antídoto para tal situação, que estimará como coisa a evitar, Marcelo salientou a intenção de exercer as funções de Presidente da República estabelecendo pontes, estimulando diálogos e tolerância entre essas duas partes, na procura de consensos políticos de regime. A mesma conversa inconsequente do Presidente Cavaco Silva. Quase faz lembrar um apelo a uma recriação da União Nacional. E então, para tentar acalmar os espíritos, de pronto garantiu que o magistério presidencial, do ponto de vista político, tem de ser imparcial...
Entrando depois no domínio da técnica constitucional, lá referiu o que há dias havia dito o ministro José Vieira da Silva: é possível, mas não é desejável, que o poder político tome medidas sozinho, à margem da Concertação Social, ou se aproxime mais de alguns parceiros sociais do que de outros, consoante as suas orientações políticas. Mas não foi isto que nunca fez a anterior coligação do PSD e do CDS/PP? E alguém ouviu de Marcelo um infinitésimo de crítica a tal atuação? E aos patrões? E ao Presidente Cavaco Silva? Por fim, culminando toda esta sua promessa intervencionista, Marcelo prometeu estar em contacto permanente com os parceiros económicos, sociais, culturais e com os partidos políticos, se for eleito Presidente da República. Ou seja, teremos duas estruturas de Concertação Social: a legalmente estabelecida, e a do Presidente da República, para onde convergirão as queixas patronais se alguma decisão da legítima não for do seu agrado. Por palavras simples: Marcelo será, se vier a ser eleito, um contrapoder do Governo, naturalmente ligado ao patronato.
Claro está que não seriam necessárias estas palavras de Marcelo para se perceber que esta iria sempre ser a realidade da intervenção política de Marcelo. Tal como pude já escrever, logo desde que se percebeu a conflitualidade, ao nível da soberania – não esqueçamos as tais possíveis escutas a gente do Palácio de Belém, ou o inacreditável discurso de certo Ano Novo –, uma revolução tem o dever de se defender. E se é no povo que reside a soberania e se são os portugueses que elegem o Presidente da República, convém escolher quem ajude a aglutinar vontades, ao invés de quem persevere, mesmo que de um modo mais subtil, na defesa de certa orientação ideológico-partidária. As eleições têm que servir para viver a democracia, e não para serem repetidas até se conseguir o resultado desejado. Veremos o que irão fazer os portugueses...