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|Hélio Bernardo Lopes| |
Um destes casos é, precisamente, o da União Europeia, hoje um projeto objetivamente falhado a quase todos os níveis. E logo desde o que tem sido enunciado como o fundamento da sua criação inicial. A consequência desta realidade ficou bem espelhada, embora de um modo implícito, nas recentes palavras de José Silva Peneda, que exerce atualmente as funções de conselheiro do presidente da Comissão Europeia para políticas sociais.
Ao contrário do que muitos hoje vão dizendo – sobretudo, Mário Soares –, a União Europeia nunca esteve no espírito dos homens que tomaram as primeiras iniciativas a este nível. O receio de ver repetir um novo conflito na Europa era uma realidade, mas conseguir tal desiderato não podia nunca ser conseguido na base da criação de uns quaisquer Estados Unidos da Europa. E isto porque a Europa, tendo uma base comum a quase todos os Estados, estava longe de ser uma coisa bem definida e era, objetivamente, uma estrutura multinacional e com uma História longa e carregada de vicissitudes com consequências sempre presentes.
Quando hoje se olham os casos da Escócia, do Kosovo, da Macedónia, do País Basco, da Catalunha, da Galiza, da Bélgica, até da Itália, de pronto se percebe que tais realidades têm vida própria, suportada em traços culturais e históricos muito longínquos, só muito dificilmente ultrapassáveis por uma União Europeia que vive, quase desde o seu início, absolutamente ausente da prática democrática, consciente e vivida. É isto que explica o cabalíssimo desinteresse dos povos europeus pelas eleições para o Parlamento Europeu.
Além do mais – não tem sido referido, mas é essencial e omnipresente –, a Europa, como unidade, também não existe no domínio do religioso. E não existe, por igual, no domínio da vivência constitucional, porque existem repúblicas e monarquias. E a consequência desta realidade é o facto da União Europeia, afinal, se ter transformado no que realmente pode aspirar: um espaço puramente económico, onde até as pessoas, na senda neoliberal, vêm tendo um valor progressivamente mais pequeno. No fundo, tudo vai girando ao redor do dinheiro e dos seus fluxos.
Olhando com atenção, constata-se que, para lá da ausência de vivência dos povos europeus, a União Europeia começa da desmoronar-se à primeira contrariedade ou dificuldade. Silva Peneda, nesta sua entrevista recente, refere um documento assinado pelos cinco presidentes das instituições europeias – Comissão Europeia, Parlamento Europeu, Euro-grupo, Banco Central Europeu e Conselho Europeu –, em que se reconhece que a Zona Euro deixou de ser aquela máquina de convergência. A verdade é que esta realidade acabaria por vir a dar-se, uma vez que a União Europeia é constituída por Estados distintos e com tradições muito diferentes, naturalmente geradoras da referida falta de convergência. A convergência, nestas condições, é um processo forçado e, objetivamente, não autossustentável.
Embora José Silva Peneda refira que o tal documento define uma estratégia de curto, longo e médio prazo para que a zona euro possa ser objeto dessa convergência, tal não impede que essa estratégia não venha a ser uma estratégia de derrota. E a razão é simples: está-se perante um processo que, pela natureza das coisas, é divergente e, logo, não autossustentável. Lá diz o ditado: de bem intencionados está o Inferno cheio. Um dado é certo: tal como refere José Silva Peneda, se a zona euro não entrar num caminho de convergência, o euro cai. Ah, lá isso é verdade.
Mas pode a zona euro entrar nesse caminho de convergência, para mais no tempo político de hoje? Claro que não! E, tal como Angela Merkel também referiu, se o euro cair, cai também o projeto europeu. Dado que há preocupação com a possível queda do euro, percebe-se que a atual União Europeia é hoje, indiscutivelmente, uma fanfarronada política, para lá de um fantástico sorvedouro de dinheiro, que vai servindo uns quantos às mil maravilhas...
Também se compreende que os autores do referido relatório digam que a Zona Euro está inacabada e que isto tem corrido mal. Talvez esteja inacabada a Zona Euro, mas está longe de ser só por isso – nem mesmo principalmente – que as coisas estão a correr mal. As causas do mal estão na própria ideia de União Europeia, que acaba por ir sendo apontada como o que realmente não é nem os povos europeus desejam.
Por fim, José Silva Peneda refere que admitir estes problemas deve ser destacado como algo de muito importante, como algo que sublinha o mérito desta comissão. Imagine agora o leitor que tudo isto se mostrava num estudo do PCP, ou do Bloco de Esquerda, ou de alguns militantes do PS. Qual seria a reação de Silva Peneda, do PSD, do CDS/PP e do Presidente Cavaco Silva? Pois, eu respondo: cairiam Carmo e Trindade. Embora já estejamos a sofrer os efeitos desta aventura sem nexo histórico, iremos pagar ainda muito mais, se, por um acaso, não tivermos a coragem de tratar tal realidade histórica a esse nível.