A longa marcha televisiva

|Hélio Bernardo Lopes|
Foi repleto de interesse e com a máxima atenção que acompanhei a longa marcha televisiva que cobriu, em dois dias, a entrevista de José Sócrates à TVI e à TVI 24, na pessoa de José Alberto Carvalho. 

Em todo o caso, esta entrevista pouco trouxe de novo, uma vez que quem a acompanhou não pôde exercer o contraditório, mas no sentido de que não tem acesso aos factos relatados pelo antigo Primeiro-Ministro. Além do mais, nenhum magistrado se irá dar ao trabalho de responder, ponto por ponto, a tudo o que ali foi referido.

Como pude já escrever, raras terão sido as peças jornalísticas por mim lidas, até hoje, sobre este caso. Leio os títulos dos jornais, acompanho os noticiários televisivos e pouco mais. Ninguém que tenha um pouco de bom senso pode dar uma opinião concreta sobre o que possa, de facto, ter-se passado. Em todo o caso, existem algumas balizas que podemos tomar como sólidas.

Em primeiro lugar, uma referência feita por uma deputada do PSD – ainda o é ou já não? –, logo a seguir à entrevista, sobre que o crime de corrupção é muito difícil de provar, razão que faz com que apenas dezassete pessoas estejam a cumprir pena por se ter dado por provada a prática do referido crime. Bom, é a verdade, mas que também significa que não se pode deter alguém sem fortíssimas garantias de tal crime ter tido lugar.

Em segundo lugar, e em face das condições existentes ao tempo da detenção de José Sócrates, parece hoje um dado adquirido que tem vindo a ter lugar uma mudança dos objetivos a tentar provar por parte dos procuradores. Têm-se noticiado factos os mais diversos, mas a verdade é que Sócrates está hoje em liberdade, embora com um mínimo de restrições, mas sem que haja uma acusação.

Em terceiro lugar, tal como Raquel Varela também disse no referido painel de comentadores, o Ministério Público atua em função de dados concretos que lhe chegam. Simplesmente, tal não chega a não ser para iniciar uma investigação, porque para deter com base em fortes indícios, bom, o estádio dessa investigação tem de estar já muito mais avançado, suportado em dados acusatórios sólidos e largamente irreversíveis.

E, em sexto lugar, o caso da violação do segredo de justiça. Tal como desde há muitos anos referi – creio ter sido a primeira pessoa em Portugal e escrever tal possibilidade –, a publicação de dados sobre certa personalidade, com verdades ou mentiras, quando se desenrola uma qualquer investigação judiciária, pode ter proveniências muito diversas, sendo certo que serve sempre quem é suspeito, que passa a poder apontar o dedo ao Ministério Público ou aos juízes.

A verdade é que tudo faz crer que as autoridades judiciárias não dispõem de uma possibilidade minimamente sólida para operar uma qualquer acusação a José Sócrates, independentemente do que, de facto, possa ter-se passado. O que confere alguma validade à hipótese sugerida por José Sócrates: perante um estado de opinião que se havia criado e em face do que tomaram por indícios de uma globalidade funcionalmente explicável, terão acreditado que algum dos suspeitos acabaria por expor bocados da realidade em que acreditaram, ajudando assim, em princípio, ao desenrolar do fio da meada configurada. Bom, mesmo que tenha sido esta a realidade, os efeitos – uma acusação – tardam a chegar, sobretudo, tendo em conta a dita existência de indícios muito fortes.

Enfim, ficámos pouco ou nada mais esclarecidos sobre a realidade do caso que envolve José Sócrates e os nossos restantes concidadãos, mas também aprendemos alguma coisa mais sobre o funcionamento do nosso Sistema de Justiça. Funciona mal? Claro! Funciona como tudo o resto, para o que basta ler com atenção as palavras cautelosas de Paul Krugman sobre o futuro do País. Até recomenda um plano B, caso tenhamos que deixar a Zona Euro. E também convém que os nossos juízes e procuradores, tal como os académicos do Direito, não deixem passar em vão o alerta de Raquel Varela sobre os perigos da privatização da Justiça...

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