Uma farsa inominável

|Hélio Bernardo Lopes|
Estou hoje firmemente convicto de que a generalidade dos portugueses atentos ao que vai pelo mundo terão já percebido que o caso que se vem desenrolando em torno do Estado Islâmico se constitui numa fantástica farsa. Nada que não tenha já tido lugar noutros tempos, mormente depois da Revolução de 1917.

De um modo sucessivo e progressivo, foram surgindo cenários os mais diversos, naturalmente adaptados à realidade que era a de cada tempo e, dentro deste, no lugar. De um lado, os que entendiam que o Direito de Propriedade era absoluto, do outro os que viam no Estado a estrutura capaz de representar, de um modo absoluto, os direitos essenciais das pessoas. E à sombra desta dicotomia se desenrolaram acontecimentos os mais diversos, quase sempre fortemente aparentes e escondendo uma realidade que era um segredo.

É muito significativo o livro O FIM DOS SEGREDOS, da jornalista Catarina Guerreiro, em torno da Maçonaria e da Opus Dei, onde a autora nos expõe dados que eram, até há uns anos, coisa só de uns quantos. Dados que a sociedade aberta que se criou permitiram que viessem a ser conhecidos, embora a dinâmica veloz da atual comunidade internacional possa vir a pôr-lhe um fim. Porventura, a um prazo mais próximo do que muitos imaginam.

Isto mesmo está agora a dar-se com tudo o que vem girando em torno do Estado Islâmico. Já de um modo inquestionável, percebe-se agora que a entrada da Rússia no combate ao Estado Islâmico fez o que os Estados Unidos e o resto do Ocidente nunca haviam feito. Mais uma vez, o feitiço acabou por voltar-se contra o feiticeiro, acabando a França e a Bélgica, já depois de outros, por se ver atingida pelos que foi tolerando no seu seio, com as famigeradas secretas escondendo umas das outras o que cada uma sabia.

Pois, foi preciso que a Força Aérea da Rússia se tivesse determinado a destruir os centros criadores da riqueza do Estado Islâmico, vendida, candongueiramente, através da Turquia – no mínimo, claro está –, para que os Estados Unidos lá acabassem por também anunciar que iriam bombardeá-los... No Ocidente, de um modo já muito geral ao nível dos mais bem informados e sem outros interesses, percebeu-se que os Estados Unidos, mais uma vez, se mostraram completamente irresponsáveis – eu acho que até criminosos – em tudo o que vem envolvendo o caso da Síria.

Muitos terão acreditado na tal grande coligação defendida por François Hollande, e que também integraria a Rússia, mas foi sonho de pouca dura. Uma tal coligação impediria os Estados Unidos de prosseguirem com a sua estratégia de cerco e confrontação, tanto com a Rússia como com a China. Tive já a oportunidade, e por muitas vezes, de referir a Estratégia de Tensão, levada à prática pela OTAN na década de sessenta do século passado, e que se materializou em diversos atentados bombistas, ao menos em Milão e Bruxelas. Nunca se percebeu, com clareza, o real papel de Ali Agca e dos Lobos Cinzentos, realmente controlados pela CIA. E sabe-se já, fruto da velocidade e do volume da informação atual, que os recentes atentados na Turquia foram, de facto, orquestrados pelas secretas turcas.

Também acabou por perceber-se que os recentes acontecimentos, afinal, terão sido aproveitados para pôr um fim forte na leva de refugiados a caminho da União Europeia, ao mesmo tempo que se tornou clara a cabalíssima ausência de solidariedade entre os Estados daquela. E, por fim, lá se nos impôs uma velha realidade desde sempre percebida: o Acordo de Shengen é como um autêntico queijo suíço, hoje já um suporte essencial da grande criminalidade organizada transnacional que se desenrola na União Europeia, vinda do Afeganistão e dos Balcãs, do subcontinente americano ou de África.

Para já, pois, temos dois estados de emergência, em França e na Bélgica, com tudo o que isso acarreta em termos de restrição das liberdades, direitos e garantias. Pensando um pouco, custa acreditar que tudo isto seja apenas uma espécie de estrutura elástica com retardamento, percebendo-se que começam a nascer as condições destinadas a justificar mais limitações, porventura o regresso do serviço militar obrigatório, e tudo a ser encaminhado para uma guerra mais vasta, que será certamente arrasadora. É essa a razão da recusa dos Estados Unidos para com a tal grande coligação, que também incluiria a Rússia. Até Guantánamo parece estar de regresso, ao mesmo tempo que Donald Trump defende, abertamente, o regresso da tortura por simulação de afogamento. Tudo isto depois de se ter tornado público que a polícia, em certa cidade norte-americana, vinha raptando, desde há onze anos, mais de sete mil pessoas, sem direitos, liberdades e garantias. E já agora, com o mais recente incidente entre aviões turcos e um russo, que acabou por cair. Cá está: temos a democracia! E os portugueses que o digam...

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