O regresso de José Sócrates à política

|Hélio Bernardo Lopes|
Há um ou dois meses, Diogo Freitas do Amaral concedeu uma entrevista a certo canal televisivo, e aí salientou não ter um ínfimo de dúvida de que José Sócrates, logo que lhe fosse possível, regressaria à vida política. E reconheceu que, de facto, ele é um animal político. Bom, aí está a prova do realismo da análise do nosso histórico académico.

José Sócrates de há muito havia sido abordado no sentido de estar presente em Vila Velha de Ródão, terra a que se encontra ligado de um modo profundo, tendo acabado por se determinar a ali proferir uma conferência sobre JUSTIÇA E POLÍTICA. Uma conferência que acabou por se centrar no seu caso, mas onde abordou, por igual, temas que são da vida nacional. Temas, até, da maior atualidade. Analisemos, pois, alguns aspetos desta sua mais recente intervenção cívica e política.

Em primeiro lugar, a sua referência ao argumento, à justiça o que é da justiça, à política o que é da política, que considerou ser um argumento pobre. Bom, eu compreendo bem o antigo Primeiro-Ministro de Portugal, mas não creio que a enormíssima maioria dos políticos tivesse procedido de outro modo. Por um acaso, eu até recordo dois episódios que vão ao encontro do seu ponto de vista, mas que considero infelizes e que até violaram o Princípio da Separação de Poderes.

Por um lado, a declaração pública de Aníbal Cavaco Silva, quando chefiava o Governo, e se viu confrontado com a constituição de Leonor Beleza, que era Ministra da Saúde, como arguida num caso que atravessou os Tribunais Portugueses por anos a fio. O Primeiro-Ministro, numa declaração televisiva, salientou logo que a Senhora Ministra da Saúde estava completamente inocente, situação cujo valor de verdade tinha começado a ser apurado no âmbito do Sistema de Justiça.

Por outro lado, a declaração perentória de Mário Soares, já então Presidente da República, numa entrevista ao Expresso, sobre o que se passaria com Carlos Melancia, então a ser julgado. Sem mais, declarou: ele está inocente! Tirando estes dois casos, não recordo nenhum outro onde a mistura dos poderes tenha ido tão longe.

Em segundo lugar, a ideia de que o Estado não pode deter um indivíduo para interrogatório depois desse indivíduo ter manifestado a vontade de ser ouvido. Bom, trata-se, em minha opinião, de um problema sem solução, porque o desenvolvimento de uma investigação é dinâmico e porque não se trata de um mecanismo típico de uma ciência exata, ou garantidamente segura em todos os seus passos.

O facto de certo cidadão tomar a iniciativa de pedir para ser ouvido pelas autoridades, depois desta palestra de José Sócrates, a seguir-se a sua ideia, passaria a ser um mecanismo de salvação possível. Veja-se um exemplo hipotético.

Existem reconhecidas violações do segredo de Justiça. No mínimo, essas violações serão provenientes de concidadãos do Ministério Público e das polícias. No mínimo. O que significa que quem opera tais violações também poderá manter ligações com que possa estar a ser investigado. Assim, se um investigado pretendesse não ser detido, bastaria pedir antecipadamente para ser ouvido e logo as autoridades deixariam de o poder deter. Como facilmente se percebe, uma tal mudança, quase com toda a certeza, nunca virá a ser operada, ou nunca ninguém com um qualquer tipo de real poder passaria a ser detido.

Quanto ao problema do espetáculo mediático, ele pode ter três causas. Informações dadas por gente ligada às autoridades, ou pelos próprios visados, com verdades e mentiras, procurando pôr em causa a investigação, ou puras e simples invenções jornalísticas, sempre suportadas em fontes ditas seguras e idóneas. Simplesmente, isto tem uma causa: Portugal, com os seus portugueses e os seus traços culturais. Ou seja: de há muito as coisas são assi, sem que nada – ou quase nada – aconteça.

Depois, e neste domínio, o problema de se prender alguém e ao fim de onze meses não apresentar provas. Trata-se, claro está, de algo um pouco bizarro, mas a verdade é que as acusações terão de surgir, sejam elas ridículas ou não e seja o resultado final de tudo isto o que for. Por outro lado, surge-me esta dúvida: houve alguma ilegalidade ou algum abuso de poder em tudo isto? Porque se houve, bom, José Sócrates tem o dever de se queixar, por cá ou lá por fora. A não ser que, como cada dia se vai tornando mais percetível, o Estado de Direito esteja tão em perda como a própria Democracia. Objetivamente, os portugueses mais atentos têm hoje a sensação de quase valer já tudo em Portugal. Até mesmo no mundo, para o que chegam os casos dos refugiados e da fraude com os carros alemães. No mínimo... E então? Nada? É o mais provável.

Por fim, o papel de boa parte da nossa grande comunicação social, que acaba por escrever o que muito bem lhe apetece, com informações provenientes de lugares que se não conhecem, mas que sempre se diz serem fontes idóneas. Bom, José Sócrates tem toda a razão, mas isto é que é o Estado de Direito Democrático que se construiu ao longo da III República.

Vejamos agora a recente crise política. Bom, aqui José Sócrates só tem razão. Toda a razão. De facto, só pode constituir Governo quem receber o apoio maioritário da Assembleia da República e enquanto não o perder. E foi cheio de razão que referiu a contradição do Presidente Cavaco Silva no seu inenarrável discurso de há dias. A verdade é que o segundo Governo de Sócrates só funcionou porque não surgiu uma moção de rejeição. E quando o PEC IV foi rejeitado, e por uma maioria claramente negativa e incongruente, Sócrates demitiu-se. Com Pedro Passos Coelho é o contrário: mesmo com uma moção de rejeição em cheio e com uma alternativa de Governo credível e consistente, o PSD, o CDS/PP e o Presidente Cavaco Silva acham que deve esta coligação rejeitada continuar!!

Estou certo de que José Sócrates terá já lido o excecional texto de Manuel Loff, no Público, L´ÉTAT C’EST LUI?, e que terá percebido, se de tal se não havia ainda dado conta, que tem o autor toda a razão quando escreve que se não enganou ao longo de todos estes anos, quando interpretou a devastação neoliberal e austeritária como um processo de transição para um novo regime. Como há dias escrevi, este processo começou a ser tentado logo pouco depois da Revolução de 25 de Abril. E de quem é a culpa? De muitos, mas, acima de todos, dos portugueses, uma maior parte dos quais, ainda que à tangente, se determinou a eleger Aníbal Cavaco Silva para o alto e essencialíssimo cargo de Presidente da República de Portugal.

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