Fracas queixas e perigosas ideias

|Hélio Bernardo Lopes|
Pendularmente, uma vez por ano, lá teve lugar a mais recente Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial, sempre com a presença das altas individualidades do Sistema de Justiça, mas também do Presidente da República.

No meu entendimento, foram desta vez assumidas posições com alguma importância, embora com um fraco alcance e garantidamente inúteis. Merecem uma exceção, contudo, alguns aspetos aflorados pelo Presidente Cavaco Silva, e que tomo como perigosas ideias.

Quanto à Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, saliente-se o seu reiterar da autonomia financeira e administrativa da estrutura a que preside, mas, muito acima de tudo, a grave carência de funcionários e magistrados, exigindo a abertura de um novo curso de formação no Centro de Estudos Judiciários, lamentando, ao mesmo tempo, a não publicação do Estatuto do Ministério Público.

Em contrapartida, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar, alertou para o perigo de se caminhar para a privatização da justiça, que quer realizar a utopia neoliberal de dispensar o juiz, ficando os tribunais da República numa função residual. Pois, a minha opinião é que, sendo tudo isto uma realidade – uma perigosa realidade –, não chega dizer tais palavras à cadência de uma vez por ano.

E tem a mais plena razão quando referiu que, sem nos darmos conta, assistimos a ruturas silenciosas, que são alterações radicais, reveladas na criação paulatina e subreptícia de múltiplas instâncias de jurisdição material fora dos tribunais, sendo confrontados, por várias fontes, por insistente indução ideológica à fuga do contencioso, para formas de justiça privada. Pois que as coisas são assim mesmo, qualquer um interessado e atento sabe bem. O problema é que não chega, uma vez por ano, a palavra de qualquer um, antes muitas vezes por ano as palavras dos superiores do sistema, como se dava quando José Sócrates era Primeiro-Ministro de Portugal. A Bastonária da Ordem dos Advogados, Elina Fraga, referiu, com grande verdade, que têm sido os juízes, os procuradores, os advogados e os funcionários judiciais quem, afinal, depois do Ministério da Justiça nunca querer efetivamente ouvi-los, têm suportado as pesadas reformas e garantido, com um abnegado sentido de responsabilidade, o regular funcionamento dos Tribunais. E, como seria de esperar, lá surgiu a sua referência à necessidade de revisitar o mapa judiciário, corrigindo desigualdades insuportáveis e ultrapassando constrangimentos que obstam ao acesso à justiça, desdobrando-se as secções especializadas e permitindo-se que os julgamentos ocorram nas sedes dos municípios, que constituíam as sedes das comarcas extintas.

E foi com a mais cabalíssima verdade que se lhe pôde escutar que é emergência nacional a diminuição das custas judiciais e o alargamento do apoio judiciário, nomeadamente, na modalidade de pagamento faseado das taxas, custas e demais encargos do processo, numa altura em que a maioria dos portugueses está esmagada por impostos ou torturados com situações de desemprego na família. É difícil ser-se mais verdadeiro.

Por fim, as palavras do Presidente Cavaco Silva, que, de um modo geral, e na parte realmente importante, comportam algumas ideias perigosas. Para se poder compreender completamente este meu ponto de vista, é essencial perceber esta realidade simples e já evidente: perante a infeliz ideia de tantos militantes do PS inviabilizarem a candidatura ganhadora do académico António Sampaio da Nóvoa, apoiando a derrota anunciada de Maria de Belém, o próximo Presidente da República irá ser Marcelo Rebelo de Sousa. E sê-lo-á, naturalmente, por uma década. Por essa altura, se o PS continuar a ser dominado pela tal ala direitista que já hoje se conhece, seguir-se-á Durão Barroso, ou Rui Rio, ou alguém da direita. O que significa que as ideias do Presidente Cavaco Silva, a serem postas em prática – só é possível com o apoio do PS –, acabarão por escorar a direita no poder e para quase sempre, e até sem estruturas de controlo da sua ação política.

Em primeiro lugar, a forma de designação dos juízes do Tribunal Constitucional. Ora, o que é verdade é que a Constituição de 1976 foi sempre posta em causa pela direita. Dado que é ao Tribunal Constitucional que compete assegurar a observância do respeito pela Constituição, tal acabou por determinar que a direita nunca visse com bons olhos o Tribunal Constitucional. Os últimos quatro anos mostraram isto mesmo.

Em segundo lugar, o problema do suposto reforço da perceção de independência que os Portugueses terão do Tribunal Constitucional. Ora, trata-se aqui de um falso problema, porque a generalidade dos portugueses nada sabe sobre o tema, sendo que os que sabem e se encontram ligados à direita nunca aceitaram a Constituição de 1976 nem o Tribunal Constitucional. Estes nossos concidadãos nunca iriam mais além do Estado Novo, mas com partidos políticos (mais ou menos inúteis). No fundo, um Estado Novo formalmente modernizado, digamos assim.

Mas esses portugueses atentos, desde que usando de boa-fé, sabem muitíssimo bem que o Tribunal Constitucional decidiu, em muitíssimas situações, por unanimidade em condições que nada agradaram à direita. Tudo, porém, será diferente se alguns juízes puderem ser escolhidos pelo Presidente da República, porque neste caso as fidelidades são unipessoais, ao passo que atualmente são, mesmo que partidárias, completamente difusas. A haver uma escolha de juízes pelo Presidente da República, tal representaria sempre uma perda garantida da sua independência.

Em terceiro lugar, o caso da nomeação do Governador do Banco de Portugal. Bom, dado que o próximo Presidente da República, durante vinte anos – ou mais –, será oriundo da direita, tal criará a apontada dependência psicológica dessa figura pública em face de quem o viesse a nomear. A esquerda, qualquer que ela seja fosse ao tempo, perderia o mínimo de influência na escolha do Governador do Banco de Portugal.

E, em quarto lugar, o Presidente Cavaco Silva também defendeu que o Presidente da República futuro – serão, durante muitos anos, da direita – possa ver acrescidos os seus poderes com a designação de alguns membros do Conselho Superior de Defesa Nacional. E porquê? Porque tal contribuiria para diversificar a composição deste órgão de consulta para os assuntos relativos à Defesa Nacional e às Forças Armadas!! Simplesmente inimaginável, esta ideia da diversificação do referido órgão.

Quando escrevo este texto, são quatro e cinco da tarde. Neste momento, o Diário de Notícias, na sua pergunta, Os juízes do Tribunal Constitucional deveriam ser nomeados pelo Presidente da República?, apresenta estes resultados: sim, 395 votos, 25 %; não, 1203 votos, 75 %.

Ainda assim, talvez estes objetivos do Presidente Cavaco Silva possam vir a ser atingidos, para tal bastando que a liderança do PS, num dia destes, venha a ser dominada pela ala direitista do partido. Para a direita, não está tudo perdido...

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