O Segredo de Estado

|Hélio Bernardo Lopes|
Está aí à porta o desenvolvimento forte do julgamento do caso das secretas, que envolve concidadãos nossos ligados ao Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, (SIED), bem como outros que desenvolviam outras atividades.

Este caso, naturalmente, tem aspetos que podem considerar-se gerais e outros que são estritamente particulares, por se ligarem exclusivamente a este caso. Entre aqueles dois conjuntos de caraterísticas existe um dado importante e que não pode ser obliterado: a presença de concidadãos nossos do SIED e logo ao seu mais elevado nível, como se dá com Jorge Silva Carvalho.

Acontece que o Direito Português se suporta, com frequência grande, em aspetos formais, colocando de lado temas que são absolutamente objetivos e desde sempre conhecidos. Esta dicotomia está especialmente presente nos casos que envolvem aspetos ligados à atividade das comunidades de informações. E, a encimar esta realidade dicotómica, o designado segredo de Estado.

Acontece, porém, que se conhece, indubitavelmente, que este conceito serve, com uma frequência que sempre fez regra, a finalidade de esconder atividades ilícitas por parte dos agentes do Estado ligados a tais serviços. Os Tribunais, invariavelmente, fogem à tomada de conhecimento do resultado de se levantar aquele segredo, acabando, deste modo, por não tomar conhecimento da realidade que (quase) sempre se acolita por detrás do mesmo.

Correndo embora o risco de voltar a contar o que já relatei noutros textos, continua a justificar-se a citação do caso do julgamento do grande-almirante Karl Dönitz, em Nuremberga, para quem o promotor de justiça, em determinada sessão, pediu a condenação à morte com base num conjunto de factos dados por provados.

Ora, Dönitz operou a sua própria defesa, tendo entregado ao Tribunal documentos que mostravam ter o Almirante-de-Esquadra, Chester Nimitz, feito o mesmo nas batalhos dos Estados Unidos contra o Japão, no Pacífico. Num ápice, o pedido de condenação à morte contra Karl Dönitz foi retirado, vindo este a se condenado a dez anos e vinte dias, se acaso não erro no montante destes últimos.

Mas podia também recordar o homicídio de meia centena de argelinos na sede da Gendarmerie, em Paris, em certa noite, creio que na década de cinquenta. Assassinados minutos depois de ali entrarem, os seus corpos foram posteriormente lançados ao rio Sena, passando todo o caso a estar abrangido pela legislação sobre segredo de Estado.

Ilustram estes casos que, de um modo muitíssimo frequente, a legislação sobre segredo de Estado serve para ocultar atos ilícitos praticados por agências especiais desses mesmos Estados. Sabe-se ser esta a realidade, mas nada se faz no sentido de se pôr um fim em tal realidade. E nem se cura de apurar responsabilidades sobre quem cria e mantém este tipo de estruturas. Tudo se fica, invariavelmente, pela inútil máxima de que é assim em todo o lado, mas que nada de ilegal se pratica. Até porque existem organismos de fiscalização...

Esta realidade, como se tem vindo a poder ver, cria uma fantástica injustiça humana ao redor de quem tenha de defender-se de supostos ilícitos praticados no exercício deste tipo de funções. Acontece que, logo que o caso começou a desenrolar-se no seio da Justiça, houve uma resposta sobre o mesmo dada pelo Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho. Não se tratando, quase com toda a certeza, de matéria também protegida pelo segredo de Estado, é natural e lógico que a defesa dos ora arguidos pretenda aceder aos documentos originais da resposta do Primeiro-Ministro ao pedido de levantamento do segredo de Estado.

Acontece que a defesa dos arguidos pretende, por igual, aceder ao Manual de Procedimentos dos Serviços de Informações. É um desejo lógico, porque se certos procedimentos de alguns arguidos puderem ter constituído um ilícito, o mesmo se terá de dar com quem avalizou o referido manual, se o mesmo apontar os referidos ilícitos como prática suscetível de ser seguida. E se é verdade que ninguém tem a obrigação de cumprir ordens ilegais, também ninguém as pode ordenar, colocadas em letra de forma. O estranho, aqui, é o facto de as autoridades não pretenderem debater se o tal manual avaliza, ou não, práticas ilícitas. Nos Estados Unidos, na Alemanha, no Japão, no Reino Unido, ou mesmo em Espanha, tudo seria sempre esclarecido neste domínio.

De molde que surge a questão: o acesso à faturação detalhada do telefone de um cidadão, em concurso com um ato de acesso indevido a dados pessoais e com abuso de poder é, ou não, um ilícito? E ainda: se essa prática for prevista num manual aprovado e em vigor num serviço de informações, tal deve ser considerado um ilícito, ou não? Porque se o primeiro ato for um ilícito e por aí condenável, e se passar por sobre a segunda situação, tudo se irá manter, com a garantia de que quem assim aprovar tal procedimento poderá sempre ficar incólume.

Por fim, a minha principal dúvida: porque não se dá a conhecer à defesa dos arguidos o tal despacho do Primeiro-Ministro? De molde que de tudo isto eu retiro uma lição: há que fugir da comunidade de informações – mormente em Portugal –, porque as tradições da nossa prática judiciária acabam, neste domínio, por ficar a anos-luz do que se conhece, por exemplo, dos Estados Unidos, do Reino Unido, da Alemanha, de Israel e de outros. De resto e tal como sempre pensei, Portugal pouco ou nada ganha em possuir serviços desta natureza. A Polícia Judiciária dá e sobra para as necessidades.

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