Então, acertei ou não?

|Hélio Bernardo Lopes|
Há um velho ditado popular digno de registo que consagra que há mais marés que marinheiros, o que se reconhece com toda a facilidade. Até por via da simples evidência. E é isto que vem tendo lugar ao redor da próxima corrida ao cargo de Presidente da República.

Ao contrário da afirmação de António Marinho e Pinto, o cargo de Presidente da República é absolutamente essencial. Basta citar dois casos: o do Presidente Jorge Sampaio, com quanto decorreu ao redor de Pedro Santana Lopes e com tudo o que se seguiu; e o caso do Presidente Cavaco Silva, com os seus três tempos bem marcados, desde o da coabitação simpática com José Sócrates, passando pela guerrilha movida à ação política deste, até ao apoio incondicional ao atual Governo. No fundo, a tal Maioria-Governo-Presidente de direita que conduziu Portugal e os portugueses ao atual desastre.

Fruto deste mesmo desastre político-social, a próxima eleição para o Presidente da República constitui a última fronteira para a defesa do Estado Social e de todas as suas componentes, qual delas a mais essencial para a vida da generalidade dos portugueses que ainda residem em Portugal.

Desta vez, até por via da realidade antes explicitada, a eleição para o Presidente da República tornou-se concorridíssima. Surgiram concidadãos os mais diversos e de todos os quadrantes, com as notáveis exceções – por enquanto – do PCP e do Bloco de Esquerda. Embora desde sempre se tenha percebido que o PCP precisa de apresentar um candidato próprio, que desta vez se destina a dificultar a candidatura de António Sampaio da Nóvoa, de molde a permitir uma hipotética vitória de um candidato da direita. Deste modo, enfraquece-se o PS, deixando um espaço livre ao PCP para acusação e crítica àquele.

Em contrapartida, durante muito tempo o PS foi esperando pela candidatura de António Guterres. Simplesmente, tal como eu desde sempre pensei e escrevi, António Guterres vive hoje a anos-luz do que por aqui decorre no seio das lutas partidárias, para lá de que o triunfo neoliberal ir-se-á encarregando de criar o seu trilho destruidor da Constituição de 1976 e do que de bom permitiu a todos os portugueses. De resto, António Guterres tem de conhecer bem que a estratégia mundial é, desde o fim do comunismo, a da criação de pobreza no mundo. É isso, afinal, que explica a prolongada tragédia humanitária no Médio Oriente, no Mediterrâneo e no Norte de África.

Mas se António Guterres era a peça essencial do PS, até do centro-direita, para a corrida presidencial, Durão Barroso sê-lo-ia pela direita. Sairia Guterres sempre como vencedor, até porque Durão Barroso é alguém que perdeu prestígio aos olhos dos portugueses e por razões bastante diversas. Portanto, ficaram os dois fora da corrida.

No entretanto, começaram a surgir nomes da área do PS, como António Vitorino e, mais tarde, já num tempo de certa aflição, os de Jaime Gama, Almeida Santos e – veja-se bem! – Luís Amado. Simplesmente, uns tinham bom senso e, por razões diversas, puseram-se de lado, com outros a ver passar os carros.

É neste contexto que surge a candidatura do académico António Sampaio da Nóvoa. Uma candidatura que valia pelo vasto currículo do candidato, pela sua inquestionável probidade, e até por ser um candidato exterior aos partidos políticos. Não um candidato contra os partidos, nem mesmo contra qualquer partido, mas alguém exterior às ligações partidárias. Estava identificado com a Revolução de 25 de Abril, incluindo o dinamismo desde o seu início surgido. E, para lá de ter sido convidado pelo Presidente Cavaco Silva como personalidade central nas cerimónias do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, veio ainda a receber o apoio dos três primeiros Presidentes da III República: Eanes, Soares e Sampaio. Como facilmente se percebe, ele seria, até com facilidade, o candidato vencedor da eleição para o Presidente da República.

Simplesmente, António Sampaio da Nóvoa tem um inconveniente principal: ama e respeita o seu povo e o seu Portugal e é, por isso mesmo, um defender estrénuo do Estado Social. Com toda a naturalidade, mesmo sem governar, ele iria sempre dar voz aos mais desprotegidos, que precisam desse Estado Social como a boca do pão. Mas um Estado Social que dignifique a pessoa, mas que a não trate com uma atitude assistencialista e de baixa qualidade, acabando por fazer do mesmo um negócio sem escrutínio. Bom, foi o pânico. Um pânico que varreu a ala direitista do PS – podiam estar hoje, com toda a naturalidade, no PSD –, mas por igual a direita hoje no poder, ou até a Igreja Católica, o patronato, e mesmo sindicalistas que conseguiram ficar com um lugar na fotografia, mas sempre alinharam com a direita, através desse fantástico instrumento de controlo dos que trabalham por conta de outrem, que é a Concertação Social. Indubitavelmente, gerou-se o pânico nos centros ligados aos grandes interesses.

No meio de tudo isto, os partidos deixaram de saber o que fazer. Sem Durão e não querendo Marcelo, a verdade é que os portugueses também não querem Rio, nem Santana nem Jardim, o que deixou o PSD com uma mão atrás e outra à frente. E por isso escrevi, há uma semana e pouco, que o PSD poderá não dar indicação de voto, o que garantiria a vitória de António Sampaio da Nóvoa, coisa que o PSD também não pretende.

Do outro lado, o silêncio do PCP e do Bloco de Esquerda, com a balbúrdia criada por uma minoria no seio do PS. Foi neste contexto que surgiu a candidatura de Maria de Belém, objetivamente sem condições para vencer, a não ser que, direta ou indiretamente, a direita a venha a apoiar. Precisamente o que eu previ que pudesse vir a ter lugar nesta campanha eleitoral. E quanto a sondagens, bom, o melhor é esquecê-las e decidir em consciência. Se se conseguir, claro está.

Hoje, já de um modo indubitável, percebe-se que esta candidatura é extremamente agradável para a direita. Muito em especial, a direita católica. Além do mais, o estado de apodrecimento da democracia é hoje de tal ordem, que a qualidade de quem se candidata quase deixou de ser tida em conta. Graças a uma comunicação social profundamente ligada à direita e aos interesses, a população, sobretudo através das televisões, vai recebendo o que lhe é contado. Não sabe e pouco raciocina sobre quanto está hoje em jogo.

É bom não esquecer que Mário Soares e os históricos do PS não deitaram António José Seguro pela porta fora por mera má vontade, mas porque a sua liderança estava a conduzir o PS e a sua política futura para a zona dos interesses políticos estratégicos da direita. Ora, Maria de Belém foi sempre uma indefetível apoiante de Seguro e da sua política, tal como João Proença, Carlos Silva, Álvaro Beleza e mais alguns.

Acontece que a movimentação dos católicos encontrou um escolho de peso: Eanes. Eanes que é um apoiante da candidatura de António Sampaio da Nóvoa, de quem forneceu aos portugueses garantias sobre a probidade, o patriotismo e a competência do académico. De molde que surge a questão: com Maria de Belém apoiada no ambiente católico, que fará Eanes? Bom, sendo um homem de palavra, irá manter esse seu apoio, assim se esperando, por igual, de Soares e de Sampaio.

Todavia, não deixei de encontrar estranheza na entrevista de António Ramalho Eanes ao Expresso, onde justificou as razões da escolha de Maria de Lurdes Pintasilgo para liderar o Governo de Portugal. Porquê vir agora justificar uma tal escolha? É um tema atual? Claro que não! E será que Maria de Lurdes Pintasilgo foi alguém deveras marcante na nossa vida político-social? Bom, nunca assim achei, raras sendo as personalidades políticas com quem convivi ou que conheci que pensavam o contrário.

Acontece que eu também conheci Maria de Lurdes Pintasilgo, num certame de que participei, tendo tido a oportunidade de com ela falar, estando presentes – Pintasilgo e eu éramos as exceções – três catedráticos de grande gabarito. E o que se lhe pôde ouvir, naqueles minutos e ao redor da temática tratada? Bom, sorrisos, ligeiras notas de humor e pouco mais.

Procurando um pouco mais, eu vim a encontrar este dado: Maria de Belém trabalhou, em temas sociais, com Maria de Lurdes Pintasilgo. O que gerou em mim esta dedução: as palavras de Eanes podem gerar uma associação de ideias, embora sempre me tenha parecido que era mui pequena a identificação dos portugueses com a personalidade de Maria de Lurdes Pintassilgo. Era até designada (sem razão) como um peixinho vermelho, o que permitia ir agredindo Eanes por este ser um...comunista, retido no Palácio de Zelém às ordens de Melo Antunovsky. Assim brincava, se acaso não erro, Augusto Cid.

Em síntese: nunca como desta vez, já desde há décadas, o futuro dos portugueses esteve tanto na sua mão, destinada a usar o voto na corrida ao Presidente da República. Se os portugueses vierem a dar a vitória a Maria de Belém, já não poderão voltar atrás na destruição cabal do Estado Social. Em contrapartida, se escolherem o académico António Sampaio da Nóvoa, escolhem alguém com carreira própria, conseguida a muitíssimo alto nível, e que até já concitou o apoio de três antigos Presidentes da República, entre si tão diferentes. E por isso termino este texto com este ditado, tão conhecido: quem boa cama fizer, nela se deitará...

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN