|Hélio Bernardo Lopes| |
Conto, a este propósito, duas histórias que vivi diretamente, uma citando os nomes, outra sem ser assim. Comecemos por esta.
Uma amiga minha, socialmente oriunda da grande sociedade burguesa de certa região muito católica do País, é madrinha, no mínimo, de uma de três irmãs. O pai destas era de um lugar do País muitíssimo pobre e que passou a maior pobreza na sua infância e na sua juventude. Graças a apoios diversos, e tendo mérito, lá foi estudando, acabando por se licenciar.
Na universidade, este jovem conheceu a colega com quem viria a casar e que pertencia à designada classe média, sendo natural de Lisboa. Funcionou, portanto, o dito mecanismo do elevador social, quer por via do estudo, quer pelo lado do casamento. O casal passou, então, a viver muito o magistério da Igreja Católica, acabando por enriquecer a um nível completamente impensado para quem quer que fosse. As descendentes lá foram parar a um colégio particular, de molde a continuarem o percurso ascensional dos pais. Terão hoje uns trinta e cinco a quarenta anos. Ou mais.
Ora, a madrinha antes referida contou-me tudo isto, mas pelo facto do homem do casal ter a mania das doenças e andar sempre nos médicos. E porquê? Bom, porque vivia aterrorizado com a ideia de que as filhas pudessem vir a passar o que ele mesmo havia passado. E então a madrinha completou o quadro: é incapaz de ajudar seja quem for, mas para a Igreja dá tudo o que lhe pedirem. Deixo ao leitor o cuidado de interpretar esta realidade.
O segundo caso passou-se comigo e com dois académicos já falecidos: Germano da Fonseca Sacarrão e Carlos Almaça. O primeiro era, nesse anos distantes, diretor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, e o segundo, da mesma área, era ali assistente, mas já doutorado por uma universidade madrilena, aguardando o reconhecimento do seu doutoramento pelo ministério tutelado por José Veiga Simão.
Acontece que Germano Sacarrão, no Porto, aonde se deslocara por ser arguente em certo doutoramento, viu-se acometido de um ataque cardíaco. Nestas circunstâncias, Carlos Almaça passou a assegurar as duas regências do académico e também as suas duas. Como é lógico, andava cansado e tinha muito poucas condições para trabalhar e estudar.
Foi tudo isto que me explicou na tertúlia de que ambos fazíamos parte e que todos os restantes membros puderam ouvir. Um destes como que criticou Germano Sacarrão, já com um ano passado sobre o ataque cardíaco do Porto, e tanto mais que vinha melhorando muitíssimo bem. E então, voltando-me para Carlos Almaça, disse-lhe: mas o tipo – caramba! – podia ser mais simpático e escrever esse tal parecer para o ministério! Num ápice, falando muito baixinho, Carlos Almaça respondeu-me isto: sabe, Hélio, também já lhe fizeram isto mesmo em tempos... Bom, caro leitor, fiquei siderado.
Escrevi tudo isto a propósito das palavras de há dias do Ministro das Finanças de França: os mais duros não são os alemães. E completou: são os pequenos países que fizeram significativos esforços, que têm agora uma situação melhor e consideram que a Grécia não pode evitar passar pelo mesmo processo. E reforçou o papel da França nesta questão da Grécia: o nosso papel é, até ao último momento, o de ver se é possível um acordo para que a Grécia recupere a estabilidade e a Europa a tranquilidade, só que consegui-lo é horrivelmente complicado.
Por fim, a situação a que a Grécia chegou, segundo a agência de rating Moody's, com a pleníssima contemporização das (ditas) estruturas da União Europeia: é improvável que o crescimento ou a austeridade, mesmo ao longo de múltiplas gerações, consigam ter sucesso na redução da dívida grega. Isto, caro leitor, é que é a famigerada União Europeia a que se chegou. Um marco histórico, sem dúvida...