Dez minutos e meio de quase nada

|Hélio Bernardo Lopes|
Como normalmente, não acompanhei a comunicação aos portugueses que ontem fez o Presidente Cavaco Silva, ao redor do dia que escolheu para as próximas eleições legislativas: 4 de outubro. Ainda assim, tinha de o ler, para o que me socorri do sítio da Presidência da República.

Tratou-se de um discurso que surge num vídeo com a duração de dez minutos e trinta e cinco segundos. Um discurso onde a única informação realmente válida é a que se refere à data das eleições, porque todo o restante conteúdo se fica pela repetição de um tipo de discurso que se conhece de há muito e que nunca verdadeiramente serviu a estabilidade política do País e, por aí, a melhoria da qualidade de vida dos portugueses, hoje pelas horas da amargura.

Desta vez, o Presidente Cavaco Silva determinou-se a salientar que são complexos os desafios que o País enfrenta. Em todo o caso, e por isso lógico, o Presidente da República não escalpelizou a causa desta situação, tanto ao nível dos fatores internos, como dos externos, desde os mais antigos aos atuais. Nem mesmo nos forneceu, ao menos minimamente, uma previsão sobre a distribuição do vento político que varre hoje a União Europeia.

Claro que o País continua sujeito a regras muito exigentes de disciplina financeira e de supervisão das suas políticas económicas, o que o fez concluir que o próximo ato eleitoral é particularmente importante para o futuro de Portugal. Neste sentido, repisou, sem grande utilidade, que é essencial assegurar o equilíbrio das contas do Estado, a redução do endividamento externo e o reforço da competitividade da economia, e que por tudo isto é da maior importância que Portugal disponha de condições de estabilidade política e de governabilidade na próxima legislatura. E logo concluiu que aos problemas económicos e sociais, Portugal não pode dar-se ao luxo de juntar problemas político-partidários.

Ora, esta última afirmação – aos problemas económicos e sociais, Portugal não pode dar-se ao luxo de juntar problemas político-partidários – comporta um grau vasto de indeterminação intrínseca. E a razão é muito simples de perceber: a política tem sempre de vir primeiro que os problemas económicos, e mesmo sociais. A própria direita hoje no poder sempre disse isto mesmo quando referiu – e já passaram quatro décadas – que a Constituição de 1976 é que é a verdadeira causa de estarmos no estado atual. Claro que é uma afirmação absolutamente errada, sem um ínfimo de fundamento, mas que mostra que, para essa mesma direita, também a política vem primeiro que a economia e que os problemas sociais.

Logo de seguida, o Presidente Cavaco Silva surgiu-nos com uma daquelas máximas que bem podia ter evitado, e já por vezes diversas: os Portugueses têm o direito, mas também o dever, de exigir um governo estável e duradouro, que seja capaz de prosseguir uma política que traga mais riqueza e mais justiça social ao nosso País. Mas como podem os portugueses conseguir um tal desiderato?

Nós tivemos um Governo estável, com maioria absoluta, no tempo de José Sócrates, e um outro, quase na mesma circunstância, com António Guterres. E temos tido, nestes últimos quatro anos, um Governo de maioria absoluta. E ficámos melhor do que antes, ou fomos sempre piorando? Raros serão os portugueses que não acham que se vem piorando e sem parar. E percebe-se, por via da vaga emigratória, que a esperança num futuro melhor é impensável para os portugueses aqui residentes.

Infelizmente, o que se tem vindo a ver em Portugal, já mesmo desde a governação de Aníbal Cavaco Silva, é um crescimento permanente do fosso social. Que razões terão impedido uma mudança neste rumo por parte da atual Maioria-Governo-Presidente? O que se passou, de facto, para que esse fosso se tivesse aprofundado, agora que se podiam impor exigências fortes aos mais poderosos e que mais tinham?

Talvez um dia esse acordo e essas pontes que o Presidente Cavaco Silva referiu possam vir a ter lugar, mas isso exigirá sempre a claudicação total, até doutrinária, do próprio PS, tal como se pôde ver por esse mundo fora com os partidos seus congéneres. Não deixo de achar estranho que o Presidente Cavaco Silva não consiga reconhecer, no mínimo, o que o Papa Francisco vem apontando à saciedade: esta economia mata. Como não é concebível que o Presidente Cavaco Silva possa ser um ignorante histórico-político-ideológico, esta sua omissão em relação à verdadeira causa do estado a que se chegou com os consensos que vem defendendo, só pode ser determinada pelo facto de, também ele, se ter rendido à ideologia neoliberal. Simplesmente, o Presidente tem de saber que essa prática ideológica conduz os povos à pobreza e à miséria, reduzindo a redistribuição da riqueza, concentrando-a numa minoria sem ética nem moral. Precisamente o que vem expondo Francisco.

Enfim, foram dez minutos e trinte cinco segundos de quase nada, tudo se restringindo à data das eleições: 4 de outubro. Aqui se pôde ver uma excelente estimativa da péssima prestação política de Aníbal Cavaco Silva como Presidente da República.

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