O Povo é quem mais ordena

|Hélio Bernardo Lopes|
Desde os longínquos tempos da Revolução de 25 de Abril que por cá se gritou o célebre refrão de que o Povo é quem mais ordena. Isso mesmo estipula a Constituição da República, ao afirmar que a soberania reside no Povo. 

E foi o facto de, sucessivamente, se ter passado por cima da realidade substantiva desta regra que levou a que Portugal tenha perdido soberania sem que os portugueses tivessem alguma vez sido consultados. E é o que está já a passar-se com o suicidário Tratado Euro-Atlântico, que acabará por nos transformar em reais escravos do capital norte-americano e europeu.

Hoje, de um modo objetivo e indubitável, Portugal só não está na situação da Grécia porque os seus dirigentes políticos, em boa medida sem a soberania que alienaram à revelia do Povo, se comportam como os tais alunos obedientes ao pensamento único dimanado do verdadeiro centro do poder da União Europeia, e que é a Alemanha.

Neste sentido, e para lá de questões meramente constitucionais, eu penso que Tsypras procedeu muitíssimo bem ao recorrer ao referendo sobre a proposta – ultimato, claro está – apresentado pelos designados credores. Infelizmente, no mundo, em geral, e por cá, em particular, a Justiça ou funciona mal, ou é curta. Como muito bem salientou há dias Nuno Rogeiro, deviam ser levados a julgamento, em adequados Tribunais internacionais, muitos dos responsáveis políticos e financeiros que encalacraram a Grécia, tal como os políticos da Nova Democracia e do PASOK que se deixaram encalacrar.

Ontem mesmo, aí pelo final da tarde, o Diário de Notícias, na sua edição online, colocava aos leitores esta pergunta: o Governo Grego fez bem em convocar um referendo para ser o Povo a decidir sobre o acordo do resgate? Pois, por essa altura, os resultados eram os seguintes: 835 votos a favor do sim, representando cerca de 80 % dos amostrados; e 206 votos a favor do não, representando cerca de 20 % dos elementos sondados.

Um significativo resultado, que mostra bem o modo mais que reprovador como os portugueses hoje olham a famigerada União Europeia, que tem conduzido a generalidade dos povos europeus à pobreza e ao desemprego e que chega ao ponto de recusar – é isso que realmente se passa – o resultado de eleições livres num seu Estado membro, por ter sido a força política vencedora olhada como um risco sistémico para os interesses hoje prevalecentes na União Europeia e que são os de uma minoria de oligarcas sem responsabilidade pelas calamidades que possam causar aos europeus.

O que agora se descobriu sobre a verdadeira natureza da União Europeia, fruto do caso da vitória do Syriza na Grécia, cujos interesses, dignidade e soberania da Grécia tem sabido defender, mostra bem o tremendo erro para que Portugal e os portugueses foram atirados pelos oligarcas que hoje dominam a União Europeia, onde realmente comandam a generalidade dos Estados e dos seus povos. É, se virmos as coisas com atenção, mais uma faceta da atitude criminosa face aos refugiados que chegam pelo Mediterrâneo, tratados como seres a repelir. Tristíssimas e impensáveis figuras, embora já com graves antecedentes, como foi o caso do Kosovo, do Iraque, da Síria, da Palestina, etc..

Claro está que os gregos irão ter de passar passas duras de roer, mas isso teria sempre de dar-se. Simplesmente, terão agora de decidir, por via do referendo que irá ter lugar – o PASOK, com Papandreu, acobardou-se e recuou –, se pretendem sofrer com dignidade, enfrentando as agruras de um futuro de médio prazo, ou se preferem ser escravos por muitas décadas dos oligarcas que mandam na União Europeia, dos que os servem de modo sorridente, todos de há muito desprezando o povo grego.

Por fim, Franco e Salazar. O primeiro recusou o Plano Marshall, acabando por criar as bases para a grande Espanha de hoje, malgrado tudo. O segundo recusou um empréstimo da Sociedade das Nações, porque esta pretendia colocar aqui o seu vigilante. Sem dúvida seres falíveis, eram estadistas e não vendiam os seus países a pataco. Salazar comprou a CARRIS aos ingleses, hoje vendem-na; comprou, igualmente aos ingleses, os TLP, hoje foi o que se viu com a PT. Recebeu George Ball, de quem ouviu o inútil em termos estratégicos. Bom, foi o que se viu depois, quando, finalmente, o Exército se determinou a seguir o caminho do homem de Kennedy e que era o da moda do tempo. E assim estamos hoje nós: contra a Grécia e a política lógica e patriótica de Tsypras, mas sorridentes, apesar de continuarem a dizer, provavelmente, a verdade, que valemos lixo nos (famigerados) mercados. É uma maravilha, a União Europeia...

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