|Hélio Bernardo Lopes| |
Assim, Marcelo, a dado passo, referiu não ser dos que atacam o poder judicial. Bom, a frase não tem grande nexo, porque não se sabe o que fará se um dia se vir nas apertadinhas da nossa Justiça. Com grande frequência, por esse mundo fora, surgem ataques ao poder judicial por parte de mil e um, a braços com problemas no setor. Em todo o caso, tratando Marcelo de tudo e de mais umas botas, atacando (quase) todos sempre que entende proceder assim, não deixa de ser muito estranho que o poder judicial lhe mereça sempre a ausência de ataque, haja o que houver!
Diz agora Marcelo que a reação de Sócrates era previsível, porque desde o início que escolheu fazer uma defesa política, só que o faz com sacrifício, pois não há ninguém que goste de ficar na cadeia. Bom, caro leitor, é interessante o modo como Marcelo parece deitar para o cesto dos papéis o espírito de sacrifício e de defesa da dignidade pessoal. De molde que conto aqui o caso passado na Guerra das Malvinas com o major-general, Mário Menendez, que comandava as tropas argentinas.
Terminada a guerra, já a bordo do navio almirante britânico, o comandante inglês da operação convidou Mário Menendez para tomar as suas refeições na sala dos oficiais ingleses, o que o que o seu colega argentino recusou, preferindo o porão, na companhia dos seus militares. Certamente que ninguém prefere o porão à sala de oficiais, mas a verdade é que há momentos em que a honra e o sacrifício pessoal têm de falar mais alto.
A dado passo, Marcelo expôs o que se passou recentemente com José Sócrates e com os magistrados, ao redor de ir para casa com pulseira eletrónica. E tudo por iniciativa do Ministério Público, com a aquiescência do juiz Carlos Alexandre. Simplesmente, Sócrates recusou o que considerou ser a humilhante situação da pulseira eletrónica. Neste cenário, o Ministério Público recuou, votando ao cenário atual. E então Marcelo interroga-se: há ou não perigo de fuga; há ou não perigo de perturbação do processo; o que é que com vigilância policial Sócrates poderia fazer que não poderia fazer com a pulseira; poderia fugir; poderia perturbar o processo?
Ora bem, para tratar estas questões com clareza, é essencial jogar aqui com alguns dados, entretanto sabidos ou vindos a público. Desconheço se são, ou não, verdadeiros, mas as televisões referiram tais realidades, que assumo como plausíveis, até por eu mesmo também pensar deste modo. Em primeiro lugar, embora a lei seja igual para todos, a verdade é que cada um é como é. E ninguém duvida que deter um antigo Primeiro-Ministro, ou um antigo Presidente da República, não é a mesma coisa que deter um qualquer cidadão comum que espancou a mulher, deixando-a em estado muito grave, mas sem vir a falecer. De um modo mais simples e que é como todos pensam: a lei não é aplicada a todos os cidadãos do mesmo modo.
Em segundo lugar, tomando como verdadeira certa notícia – eu mesmo também pensaria desse modo –, foi dado conhecimento público, a dado passo, de que José Sócrates teria dito a alguém amigo, quando viajava para Lisboa, ou se preparava para o fazer, que não acreditava que houvesse a coragem de o deter. Verdade? Mentira? Não sei. Mas não me parece inverosímil, porque eu mesmo também tal imaginaria.
Em terceiro lugar, a ser tal uma realidade, isso significa que José Sócrates acreditaria ser praticamente nula a probabilidade de ser detido ao chegar a Lisboa.
Em quarto lugar, e tal como expliquei no meu texto, QUASE NÃO DÁ PARA ACREDITAR!, publicado em 30 de abril último, a carta de José Sócrates ao seu amigo e colega de partido, António Campos, foi de uma extrema infelicidade, porque acaba por nos dizer que admite poder vir a ser condenado, embora, segundo ele, sem factos nem provas. É nisto que José Sócrates disse acreditar, sendo que, numa tal situação, só um tolo prefere ficar anos na prisão, para mais defendendo estar inocente. Ou seja, a situação é agora muito distinta da relativa à sua chegada a Lisboa: nesta altura, raros acreditariam no que pôde já ver-se, ao passo que hoje até Daniel Oliveira já acredita que José Sócrates virá a ser acusado.
Em quinto lugar, o problema da pulseira e do polícia de serviço. Sabendo-se a motivação invocada por José Sócrates, e que até a lei prevê, surge a questão: qual a probabilidade de poder fugir com pulseira e com polícia? Pois, com pulseira é incomensuravelmente mais difícil de poder tal fuga ocorrer. Basta recordar, por exemplo, a fuga de Humberto Delgado da Embaixada do Brasil, ali mesmo, nas barbas dos agentes da PIDE. Além do mais, o polícia é corrompível, o que não se dá com a pulseira eletrónica. Portanto, do ponto de vista do Ministério Público e do juiz Carlos Alexandre, a decisão, numa tal incerteza potencial, era a única correta. E Marcelo não conseguiu descortinar tal evidência?! De resto, é o próprio Marcelo que logo explica que uma pessoa que está naquela situação pensa em tudo, porventura, em vários cenários.
Por fim, Marcelo aborda o caso da transcrição do último interrogatório do antigo governante, noticiado pela Sábado. E então aponta o caráter vago das perguntas que são formuladas a José Sócrates, e que dá a sensação de que um e outro já imaginavam que ia ser gravado e reproduzido. E vai mesmo mais longe: quem perguntou não perguntou nada e quem respondeu fê-lo com um ataque.
Ora bem, neste cenário, agora relatado por Marcelo, há uma ação e há uma reação. A ação é de Rosário Teixeira que não perguntou nada. É a apreciação de Marcelo à notícia da SÁBADO. A reação é a de José Sócrates, que que respondeu com um ataque. Ou seja, com ou sem consciência do que disse, o que Marcelo expôs é que Rosário Teixeira, num interrogatório naturalmente importante, não perguntou nada, ficando-lhe a sensação de que o procurador e o arguido já imaginavam que a gravação viria a ser reproduzida! Bom, caro leitor, é quase inacreditável toda esta narrativa.
E então tira esta fabulosa conclusão: para a investigação deve ser um quebra-cabeças, ver transferências de dinheiro e ter dificuldade em provar que aquele senhor não andou a impor para que houvesse benefício; ter ali debaixo do nariz e dos olhos, mas (sem saber) como provar que aquele senhor teve um papel determinante. Mas, sendo assim, não é verdade que se ensina nas escolas de Direito que in dúbio, pro reu? E depois Marcelo lá tentou meter uma das suas farpas, mas sem bico: ele diz pensar que o PS de António Costa pode ser prejudicado com o caso que envolve José Sócrates. Ou seja: Marcelo pensa que os portugueses, por causa do caso de José Sócrates, estariam dispostos a perpetuar o suicídio social que lhes foi criado pela atual Maioria-Governo-Presidente. Que imaginação!