Porque é que as galáxias deixam de fazer bebés?

Cientistas da Universidade de Cambridge e do Observatório Real em Edimburgo descobriram que a maioria das galáxias que deixaram de produzir estrelas têm uma abundância anormalmente elevada de metais (elementos mais pesados do que o hidrogénio e hélio). Esta observação constitui uma pista importante para identificar o mecanismo que impede algumas galáxias de produzir novas estrelas.

Galáxia ESO 137–001
No Universo actual as galáxias podem ser divididas em 2 tipos: (1) as que ainda formam estrelas (e.g., a Via Láctea), ricas em nuvens de hidrogénio molecular e poeiras, a matéria-prima de que são feitas as estrelas; (2) as que já não formam estrelas e parecem estar desprovidas dessa matéria-prima.

Porquê esta dicotomia? Porque é que algumas galáxias deixam de fazer estrelas e outras continuam a formá-las com mais ou menos vigor? Os astrónomos vêm estudando esta questão desde há décadas mas só recentemente foi possível progredir para uma solução. Uma coisa é certa: sem matéria-prima — nuvens ultra frias e escuras de hidrogénio molecular e poeiras — não é possível formar novas estrelas. Este material é abundante em galáxias que continuam a formar estrelas e muito escasso ou inexistente nas que cessaram a sua actividade. Mas porque será que algumas galáxias têm grandes reservas gás molecular ao passo que outras têm uma deficiência extrema?

A observação de um grande número de galáxias sugere que podem estar em acção dois mecanismos: (1) alguma força interna (e.g., o vento de partículas e a radiação de um quasar no centro da galáxia que dispersam as nuvens moleculares) ou externa (e.g., a fricção com gás no meio intergaláctico que retira o gás à galáxia); (2) as galáxias formam as suas nuvens de hidrogénio molecular a partir de material proveniente de nuvens intergalácticas de hidrogénio que caem no seu campo gravitacional. Quando este material intergaláctico se esgota a galáxia forma estrelas até não ter mais matéria-prima.

No primeiro cenário, a formação de estrelas termina rapidamente, com a eliminação rápida (em apenas alguns milhões de anos) do gás. No segundo cenário, no entanto, o gás acumulado pela galáxia, apesar de não ser renovado, permite a formação de estrelas, a um ritmo cada vez mais lento, durante milhares de milhões de anos. Estas diferenças na forma como cessa a formação de estrelas traduzem-se também em diferenças na abundância de metais (designada por metalicidade) nas galáxias. Yingjie Peng, o primeiro autor do estudo agora publicado na revista Nature, explica-nos porquê: “A abundância de metais é uma ferramenta poderosa para estudar a história da formação estelar: quanto mais estrelas são formadas por uma galáxia, maior será a abundância em metais observada nas suas estrelas. Assim, olhando para as abundâncias de metais em galáxias que já não formam estrelas podemos, em princípio, deduzir qual o mecanismo que as impediu de fazer novas estrelas.”

De facto, se a maioria das galáxias deixam de fazer estrelas devido ao mecanismo (1), então o seu conteúdo em metais deve ser semelhante ao que tinham imediatamente antes de ficarem estéreis, pois o gás necessário à formação de estrelas desaparece rapidamente e a galáxia deixa de fazer estrelas abruptamente. Por outro lado, se o mecanismo dominante for o (2), as galáxias continuam a formar estrelas ainda durante milhares de milhões anos, até o reservatório de gás se esgotar, permitindo a síntese de mais metais. Neste caso as galáxias devem ter uma metalicidade mais elevada.

A figura ao lado mostra os dois mecanismos envolvidos na cessação da formação de estrelas numa galáxia. Em cima, à direita, a galáxia renova a matéria-prima absorvendo nuvens interestelares. Num determinado instante, o gás é rapidamente removido e a galáxia fica estéril (elipse vermelha). A metalicidade, em cima à esquerda, é semelhante à que a galáxia tinha antes de parar de formar estrelas (círculo vermelho). Em baixo, à direita, a galáxia deixa de poder renovar a matéria-prima para formar estrelas. A formação de estrelas continua durante milhares de milhões de anos, até a galáxia ficar estéril. A metalicidade esperada seria muito mais elevada.

Não é possível observar qualquer um destes processos para uma galáxia individualmente, pois demoram milhões ou milhares de milhões de anos a produzir efeitos. No entanto, olhando para milhares de galáxias em simultâneo, podemos observá-las em diferentes estágios de evolução e, analisando as suas metalicidades, distinguir qual dos processos é dominante. Os autores deste estudo analisaram o espectro de 3095 galáxias férteis e de 26618 galáxias estéreis, previamente observadas pelo Sloan Digital Sky Survey. Roberto Maiolino, outro dos autores diz-nos o que descobriram: “Verificámos que, para uma dada massa total de estrelas, o conteúdo em metais de uma galáxia estéril é significativamente maior do que numa galáxia fértil de massa semelhante [para a maioria das galáxias, correspondendo a massas < 10% da Via Láctea]. Não esperávamos ver isto no caso do gás ter sido removido abruptamente [cenário 1], mas os dados são consistentes com o cenário mais gradual [cenário 2].”

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Os cientistas confirmaram os resultados de forma independente comparando a idade média das estrelas nas galáxias estéreis e férteis, que é independente da metalicidade. A diferença média observada é de 4 mil milhões de anos, um número consistente com o tempo que levaria uma galáxia a tornar-se estéril no cenário 2. Peng reflete sobre a importância deste resultado: “Esta é a primeira evidência conclusiva de que as galáxias são estranguladas até à morte [referindo-se ao fim do fluxo de gás intergaláctico]. O que se segue é perceber porque é que estes fluxos de gás terminam. De certo modo, sabemos a causa da morte [esterilidade], mas não sabemos quem é o assassino [o que termina o fluxo de gás], apesar de termos alguns suspeitos.”

É importante notar que este mecanismo, apesar de ser dominante, segundo a tese dos autores, não é o único. De facto, o mecanismo (1) foi já observado em galáxias em enxames (ver imagem de ESO 137–001 acima) e em galáxias maciças com núcleos activos.

Luís Lopes 
Conteúdo fornecido por Ciência na Imprensa Regional – Ciência Viva

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