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|Hélio Bernardo Lopes| |
A conversa atravessou toda a vida de Maria Barroso, naturalmente recheada de situações interessantes, embora alguns dos temas abordados justifiquem uma ligeira consideração. Referiu o seu contacto com o caso de Aristides de Sousa Mendes, na sequência de uma conversa com um neto deste. Sem estranheza, voltei a constatar que o entrevistador nunca colocou as posições assumidas pelo embaixador Carlos Augusto Fernandes. E, note-se, eu não estou aqui a tomar posição sobre o que este nosso embaixador aposentado sempre salientou. Constato, em todo o caso, que tal tomada de posição nunca é abordada pelos jornalistas nem pelos historiadores, sendo que o embaixador em causa teve uma carreira altamente qualificada.
Também a dado passo Maria Barroso referiu o papel do histórico ator Assis Pacheco na sua passagem pelo teatro. Bom, achei graça, porque Assis Pacheco foi quem, um dia, muito em surdina, me expôs que Salazar seria homossexual. Estávamos nas antigas instalações da Livraria Escolar Editora, na companhia de académicos diversos da Faculdade de Ciências de Lisboa, sentados nas cadeiras ali existentes.
A dado passo, Assis Pacheco contou-me – em surdina, como digo atrás – que Salazar seria homossexual, e que fora apanhado em pleno coito anal pelo que viria a ser o futuro embaixador Xara Brasil. Como seria natural, sendo eu aluno do segundo ano de Engenharia Civil, e vindo esta conversa de Assis Pacheco, de pronto na mesma acreditei. E se assim se deu, de igual modo a contei em casa e no café, à noite, aos amigos do dia-a-dia.
Passaram-se décadas, que incluíram o 25 de Abril, e lá continuei sempre a acreditar em tal história. Aliás, cheguei mesmo a colocar esta questão a um antigo inspetor da Direção-Geral de Segurança, que de pronto se riu respondendo: maricas?!, só se fosse o contrário! Até que um dia, aí pelo inverno de 1988, lá me surgiu, qual relâmpago, a resposta: é mentira!! E era, como hoje se sabe bem. Mas era o método utilizado pela oposição desse tempo: mentira, calúnia e difamação. Uma realidade que eu mesmo fui vendo a um ritmo diário.
Mas Maria Barroso também abordou a estadia forçada de Mário Soares em São Tomé e Príncipe. E contou que o reitor do liceu de São Tomé, em face da sua presença ali, junto do marido, e sendo licenciada em Ciências Históricas e Filosóficas, de pronto lhe assegurou dispor de um lugar de professora provisória para ensinar naquelas áreas. Como agora nos contou, de Lisboa chegou uma ordem a impedir que assumisse as funções para que havia sido convidada de pronto.
Acontece que Maria Barroso, ao que sei, não foi nunca funcionária pública, pelo que não podia encontrar-se expulsa da Administração Pública. E dá-se também o caso de São Tomé e Príncipe ser uma província de governo simples, pelo que o governador, coronel Silva Sebastião, superintendia em todos os domínios locais da Administração Pública, com as exceções do Serviço Meteorológico Nacional, da Direção-Geral do Ensino Superior e das Belas-Artes e da Direção-Geral de Segurança, que dependiam do Governo da República.
Quer isto dizer que a referida nomeação para o liceu de São Tomé só dependia do governador da província. É claro que este tinha, por lei, de pedir à Direção-Geral de Segurança informação sobre aquela nomeação, mas não tinha que seguir o sentido da resposta, tudo dependendo apenas da sua vontade pessoal. O poder era completamente discricionário. Simplesmente, já por diversas vezes, por escrito e não só, Mário Soares teceu de Silva Sebastião as melhores considerações.
Por fim, o entrevistador. Sendo Maria Barroso uma concidadã com um longo e diversificado tempo de vida, ela pôde conhecer facetas muito diversas da História do Portugal contemporâneo, sendo que terá de possuir, naturalmente, alguma perspetiva sobre o futuro do País, dos portugueses e do mundo que se vai vendo. Sobre todos estes temas, porém, nem uma perguntinha. Em todo o caso, mesmo inesperada, foi uma entrevista muito interessante.