Do embuste à competitividade

|Hélio Bernardo Lopes|
Num dia destes, surgiu pelas bandas portuguesas a notícia de que certos professores norte-americanos foram punidos com penas da ordem dos sete anos de prisão por terem inflacionado as notas dos seus alunos. 

Um caso completamente inédito, mormente pela dimensão das penas, mas que se crê ser uma realidade hoje em crescendo nos Estados Unidos. Pelo meu lado, admito que tal realidade, com a privatização de tudo e das botas restantes, deverá ser hoje imensamente universal.

Este caso trouxe-me ao pensamento dois outros acontecimentos: o da Volta à França, com Lance Armstrong, e o de Salazar, não reconhecendo os títulos académicos obtidos fora de Portugal. Vejamos, então, estes dois casos.

Quanto ao primeiro, ele deriva, como facilmente se percebeu – sabe-se desde há muito – do imperativo de vencer e de (supostamente) fazer melhor, e sempre por métodos naturais. Ora, eu pude – e já lá vão umas cinco ou seis décadas – defender, junto de José Esteves, numa sua palestra na sede de então d’Os Belenenses, este meu ponto de vista: os novos máximos desportivos, a partir de certo momento, só poderão ser conseguidos por via de fatores exteriores ao atleta e ao seu treino.

Acontece, porém, que estes fatores só lentamente se desenvolvem, o que acabou por determinar o recurso louco e sem moral à dopagem. Hoje, conhece-se já o suficiente para poder imaginar o que deverá ser a verdadeira realidade por detrás desta prática imoral e criminosa. É, no fundo, o preço da competitividade sem limites, que de pronto hipertrofiou o papel social do lucro, levando à procura de máximos por qualquer processo e feitio.

Mas olhemos, agora, o segundo caso citado ao início. Como se sabe – ainda hoje é assim –, o que é lá de fora é que é bom. Tal significaria, naquele tempo longínquo, que, a serem reconhecidos os títulos académicos obtidos fora de Portugal, de pronto por aqui nos surgiria uma miríade de supostas sumidades. Aliás, logo após a Revolução de 25 de Abril, surgiram terríveis lutas no seio das nossas academias ao redor da qualidade do trabalho produzido por portugueses que haviam vivido no exílio durante a II República. E se nos domínios da Sociologia e da Ciência Política ainda se veio a reconhecer, em Portugal, qualidade ao trabalho desses nossos concidadãos, já no das ciências exatas tudo acabou por dar em (quase) nada. Até no domínio da História.

Acontece, porém, que o acesso à universidade, nos Estados Unidos, é legalmente facultado a jovens cujos pais façam uma doação capaz à mesma, ainda que os filhos em causa não disponham das condições impostas, à entrada, à generalidade dos candidatos. E não me admiraria se, em Portugal, no domínio das universidades não públicas, esta prática pudesse ter lugar. No fundo, é a naturalíssima consequência do tudo privado.

O que estes professores fizeram foi o que também fizeram os gestores de grandes bancos, mesmo mundiais, hipertrofiando os lucros, de molde a conseguirem chorudos bónus. A grande diferença é que, neste caso, não tiveram lugar quaisquer condenações, uma vez que o sistema financeiro vive dessa mesma prática. Até porque, em caso de desgraça, pagamos nós. Talvez valha a pena que os professores ora condenados, logo que saiam da prisão, se determinem a criar um banco, mesmo que apenas estadual ao início.

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