Ecumenismo...

|Hélio Bernardo Lopes|
Quando Francisco chegou à liderança da Igreja Católica, esta, em boa parte do mundo, encontrava-se pelas horas da amargura: pedofilia aos milhares, criminalidade vasta ao nível do (dito) Banco do Vaticano, intriga na Cúria, e mil e um outros casos que deitaram por terra o sentimento de capacidade de Bento XVI, levando-o a resignar.

Durante a visita de Bento XVI a Portugal, consequência da perigosa pressão muito geral, em todo o mundo, o Papa viu-se na obrigação de reconhecer que o mal estava no interior da própria Igreja Católica. Era o mínimo que, in extremis, se poderia reconhecer. Foi uma espécie de fuga para a frente, mas que era essencial, por ser o único caminho que poderia, porventura, evitar males maiores.

Nestas condições, a chegada de Francisco teria de marcar-se por diferenças fortes, mesmo que apenas aparentes. O caminho seguido foi o de falar sobre o que nunca era falado, embora sempre sem consequências. Gerar uma aproximação de simpatia, talvez mesmo natural, mas que, nunca tendo sido praticada antes, levaria à conclusão de estar a dar-se uma mudança. Em todo o caso, uma mudança essencialmente aparente, não substantiva.

Estando o mundo a viver uma falência da democracia, completamente ultrapassada pelo triunfo dos grandes interesses, Francisco teria de dizer o que se vem ouvindo, embora, com um pouco de atenção, se perceba que, de facto, nada vai mudando. O próprio Papa Francisco, em conversa com um sacerdote argentino muito amigo, confessou que se o viessem a matar, isso seria o melhor que lhe poderia acontecer, o que mostra bem o gigantismo e a entropia do que vai tendo em mãos... De facto e de substantivo, nada mudou. Para já não falar da guerra mundial para que a Alemanha e os Estados Unidos nos estão a atirar. De resto, diz um velho ditado popular digno de registo, não há duas sem três.

Como teria de dar-se, um dos pilares essenciais da ação pastoral de Francisco teria de ser o ecumenismo. O problema, porém, está em cada esquina concreta. Assim, por exemplo, a Diocese de Lisboa sempre abriu as suas portas à comunidade ucraniana, de referências ortodoxas. Com ou sem razão, tal singularidade foi por mim sempre tomada como uma ação de proselitismo tentador. Continuo a crer que tenho razão.

Ora, nos termos do há dias noticiado, um histórico major-general português recentemente falecido – Fernando Passos Ramos – viu ser recusado pela hierarquia católica das Forças Armadas Portuguesas a presença dos seus restos mortais na capela da Academia Militar. Um ato para o qual existia já a autorização do Chefe do Estado-Maior do Exército.

A razão da recusa foi o facto de Fernando Passos Ramos ser evangélico, o que, haverá de reconhecer-se, é simplesmente ridículo. Mais do que uma capela católica, a da Academia Militar é, acima de tudo, isso mesmo: a capela da Academia Militar, verdadeira segunda família de quem seguiu a carreira profissional de oficial do quadro permanente do Exército. Uma capela que, com este gesto mesquinho, e realmente anti-ecuménico, mostrou ser, afinal, um fator de divisão e de discriminação religiosa no seio do nosso Exército.

No meio de tudo isto, o bispo Manuel Linda, que preside à Comissão Missão e Nova Evangelização, por onde passa o (aparente) diálogo ecuménico e inter-religioso, logo explicou que estava fora do País e que quem ali mandava era o comandante da Academia Militar e…o capelão da Academia Militar.

Significa isto, pois, que uma ordem do Chefe do Estado-Maior do Exército pode perfeitamente não ser obedecida por um subordinado seu, e que o tal diálogo inter-religioso e o ecumenismo, supostamente postos em marcha pelo Papa, podem não ter supervisão do bispo em causa, tudo dependendo de um capelão! É caso para que gritemos: eu quér’ápláudirr! E se a isto se juntar um caso recente, passado com a Polícia Marítima, bom, seria razão para que disséssemos (se não respeitássemos, de facto, as Forças Armas) que continuaríamos perante uma tropa fandanga.

Ora, este lamentável e mesquinho acontecimento mostra um dado simples e evidente: no seio da nossa estrutura militar está ausente, de facto, o princípio da liberdade religiosa, instituto a que, de facto, a nossa Igreja Católica pouco ligar quando é preciso. No jogo das palavras, não há melhor, com tudo a sorrir e a brilhar, mas no plano das realidades da vida, bom, a diferença vale um abismo.

Recordo aqui o meu tempo de liceu, já no terceiro ciclo. Um dos professores de Religião e Moral criou uma sala – a Sala de Oração – destinada ao encontro de alunos de uma qualquer confissão religiosa. De acordo com regras precisas, talvez até se pudessem celebrar cerimónias religiosas, e de qualquer credo. Mas se se tratasse de depositar ali os restos mortais de um colega morto em acidente deveras chocante, não haveria quem se opusesse a tal, fossa o colega católico, judeu, ortodoxo ou hindu, que eram as confissões religiosas presentes no meu terceiro ciclo. E era uma ditadura... Hoje, claro está, já com a democracia, é o modernismo que agora se viu.

Por fim, e até ao momento em que escrevo este texto, a minha estranheza – terei razão para tal? – com o silêncio da Associação 25 de Abril. Mas a vida comporta sempre lições. E assim se dá com este ato mesquinho ao redor da morte do major-general Fernando Passos Ramos: percebemos como a conversa do diálogo inter-religioso, na boca dos líderes católicos, é meramente instrumental. E mais: tenho agora razões reforçadas para crer que o princípio da liberdade religiosa estará a anos-luz da vida das nossas Forças Armadas. Já tive, um dia, a oportunidade de escrever sobre este tema.

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