O real valor da Democracia de hoje

|Hélio Bernardo Lopes|
Custa-me imenso acreditar que a generalidade dos povos europeus destes dias – podia ir imensamente mais longe – atribua à democracia hoje praticada nos Estados da União Europeia, e nesta mesma, um ínfimo de credibilidade. Basta olhar as sondagens ora surgidas em Espanha, a par do que está a dar-se em muitos outros Estados europeus, e de pronto se percebe que a democracia que hoje temos na União Europeia nada tem de representativo.

É neste contexto que a União Europeia, os Estados Unidos e o Governo de Kiev vêm colocar objeções diversas aos recentes atos eleitorais nas províncias separatistas de Donetsk e de Lugansk. Sem um ínfimo de nexo, estas decisões da população daqueles territórios é ilegítima e sem valor. Mas já o mesmo não teve lugar com o que se passou no Kosovo, ou no Iraque, ou na invasão de Goa, Damão e Diu, ou na invasão da Indonésia sobre Timor-Leste, ou na Guerra do Vietname.

Mas os atuais líderes de Kiev chegam mesmo a dizer que o reconhecimento da Rússia a estes dois atos eleitorais põe em perigo a paz na região, embora eu só consiga vislumbrar tal se alguém com força se determinar a iniciar um conflito em mui larga escala, ou seja, com armamento nuclear. Não seria, em termos de ideia, algo novo, porque a extrema-direita norte-americana dos tempos de Truman, Eisenhower e Kennedy chegaram mesmo a defender abertamente que se operasse uma guerra contra a antiga União Soviética, bombardeando uma trintena das suas principais cidades com duas centenas de bombas nucleares. Gente fervorosamente defensora do Estado de Direito Democrático...

Imagine o leitor, por exemplo, que os nossos concidadãos açorianos, numa sua forte maioria, pretendiam deixar de ser portugueses, antes desejando ascender a um novo Estado independente. O que fariam as autoridades soberanas de Portugal? Repunham a ordem constitucional em vigor? Certamente, mas se lhes fosse possível. E poderia não ser possível? Sim, desde que a ação iniciada pelos açorianos se visse respaldada por uma atitude compreensiva, por exemplo, dos Estados Unidos. Uma meia dúzia de fragatas a navegar por toda aquela região, de preferência escoltando o porta-aviões George H. Bush, e de pronto se passaria, naturalmente, para o âmbito das negociações. Da inconstitucionalidade inicial, passar-se-ia, num ápice, para um diálogo compreensivo.

Claro que o leitor poderá pensar que se trata aqui de mero discurso, mas eu mostrarei aqui duas situações passadas com o Portugal de Salazar que mostram o contrário. A primeira, ao redor de uma explicação de Franco Nogueira sobre a ausência de real hostilidade à defesa das antigas províncias ultramarinas. A segunda, na sequência da invasão de Goa, Damão e Diu.

Numa sua obra, tratando a usual acusação de que Portugal estava isolado em face da defesa das antigas províncias ultramarinas, Franco Nogueira explica que, se realmente os Estados Unidos quisessem pôr um cobro na presença de Portugal em África, bastaria que surgisse uma fragata da sua marinha no meio do Atlântico, indicando ao Niassa que regressasse a Lisboa, porque iriam ter lugar conversações diplomáticas de alto nível. Naturalmente, quem comandasse o Nissa de pronto obedeceria.

No caso da invasão de Goa, Damão e Diu, Portugal não tinha relações diplomáticas com a República Popular da China, mas a verdade é que Salazar, numa tal situação – defesa da integridade territorial de Portugal –, não hesitou, instruindo Franco Nogueira e Adriano Moreira no sentido de procurarem o apoio da República Popular da China, mormente em condições militares que levassem ao recuo da Índia no terreno da invasão. Tudo foi feito, mas não surgiu a oportunidade essencial. Mas mais tarde, aquando da guerra da China com a Índia, em que esta foi esmagada por aquela, de pronto surgiram cartazes no País onde se podia ler: quem com ferro mata, com ferro morre. O desenho que acompanhava esta frase mostrava a uma Índia estilhaçada pela China.

Ora, o que o Direito Internacional dizia sobre os territórios de Goa, Damão e Diu, desde que olhados como colónias, é que estas deviam tornar-se Estados independentes, tendo como fronteiras as que vinham do colonizador. Bom, nada disto teve lugar, como se sabe, mas que foi o que veio a ser praticado – já não existia inconveniente para os Estados Unidos – com Timor-Leste.

Significa tudo isto, pois, o que Marcelo disse há umas boas semanas atrás, ao redor do caso da Crimeia: desde o seu segundo ano universitário que soube que o Direito Internacional Público é sempre o conveniente ao mais forte. Os Estados Unidos e a União Europeia só agora é que se preocupam, porque no caso da Sérvia, ou do Iraque, nunca se preocuparam com o Direito Internacional Público.

Um dado é certo: falta aos atuais homens de Kiev o traquejo diplomático que Kennedy, em conversa com Franco Nogueira, reconheceu a Portugal, pelo que o bom do Porochenko lá vai continuar a perorar, incapaz de compreender o genocídio que lhe cairia nas mão se as coisas voltassem agora ao estado inicial. A sua escola, a anos-luz da nossa, vai mais na linha da espanhola, ficando a diversos parsec da britânica.

Mas o melhor exemplo do real valor que a democracia passou a assumir no Mundo, foram as palavras de Nuno Rogeiro na entrevista que realizou à embaixadora de Cuba em Lisboa: os EUA só negoceiam com os Estados cujos dirigentes são democraticamente eleitos. Precisamente os casos do Chile de Pinochet, ou da Argentina de Videla, ou do Peru de Fugimori, ou do Brasil que prendeu e torturou Dilma. Para já não referir a Espanha de Franco, onde os Estados Unidos até dispunham de excelentes bases militares. Excelentes e cruciais.

Entre mil e um outros casos por esse mundo fora, tudo culminando na extraordinária prática de escutar tudo e todos. Essencial, para os Estados Unidos, é pôr em funcionamento democracias, desde o Afeganistão, onde o ópio cresceu loucamente desde que os americanos ali chegaram, até ao Iraque, que está hoje a crescer e a desenvolver-se à vista de todos. Chegam-nos notícias a cada dia que passa. Há mesmo cada vez mais portugueses a demandarem o Iraque, depois da miséria até nós trazida pela atual Maioria-Governo-Presidente. A democracia, como arma da política externa dos Estados Unidos, é uma das maiores criações da História da Humanidade.

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