![]() |
Hélio Bernardo Lopes |
O antigo ministro de Marcelo Caetano conta que, malgrado ter escrito a mil um e diversas estruturas do PS sobre a sua saída do partido, que foi até exposta por si em texto público, tal não impediu que continuasse a receber correspondência e contactos por e-mail ou telefone como se fosse ainda militante, tendo reclamado por mais de vinte vezes junto de responsáveis e outros socialistas de relevo, de todos recebendo a garantia de que iam providenciar para pôr termo ao equívoco.
Mas Joaquim Dias da Silva Pinto conta mais: que o vice-presidente do PS chegou a escrever-lhe, informando que dera pessoalmente instruções nesse sentido, agradecendo, mas (constatando) que tudo continuava na mesma. E mais ainda: não deixou de receber convocatórias como apoiante, tendo-se intensificado os apelos desde a disputa entre Seguro e Costa e seus representantes na distrital de Lisboa, desejando uns que apoiasse as pretensões de Costa e outros que figurasse ao lado de Seguro.
Quando li este texto, fartei-me de rir, mas custou-me entender a admiração de Joaquim Silva Pinto, dado que eu mesmo vivi cenário similar no CDS, depois de deste me ter desvinculado formalmente, através de carta. Como se torna evidente, tenho razões para duvidar que o cenário descrito por Silva Pinto seja coisa singular ao PS. Até as estruturas do Estado mantêm vivos muitos mortos, para lá de mil e outras bizarrias em tudo similares.
Por fim, continuo a não acreditar que o antigo ministro de Marcelo Caetano não tenha já percebido que a realidade por si vivida é uma marca muito portuguesa. Uma marca como a das mil e uma prescrições em processos de natureza criminal, mas também as históricas amnistias concedidas a mil e um, e que ajudaram a que se chegasse ao estado sem saída do Portugal destes dias. No fundo, o que viveu Silva Pinto é da mesma natureza da (quase) completa ausência de condenados de colarinho branco, que possam ser possuidores de algum tipo de poder objetivo.
Seria bom, em minha opinião, que Joaquim Silva Pinto se determinasse a ler as obras, DE TRUMAN A REAGAN, de N. N. Iakovlev, e OS IRMÃOS, de David Talbot, de molde a perceber que na grande América, que tanta admiração deixou em Humberto Delgado, as coisas eram – e são, claro está – incomensuravelmente piores que no tempo da II República Portuguesa. Agora sim, estamos a aproximar-nos velozmente da fantástica violação da dignidade humana que é inerente à democracia sob comando americano. Ao pé do que vai pelo Mundo, a situação vivida por Joaquim Dias da Silva Pinto tem dimensões muito menores que a de agulha em palheiro.