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Hélio Bernardo Lopes |
Objetivamente, tem-se tratado de uma corrida pouco clarificadora, mas onde agora sobressaiu uma inacreditável proposta de António José Seguro. Uma proposta claramente populista, destinada a conseguir um efeito fácil e imediato sobre os portugueses, de há muito cansados do estado a que Portugal chegou e que tem muitíssimo de beco sem saída. Um estado que sempre teria tido lugar com o acesso ao poder de uma Maioria-Governo-Presidente de direita.
Por sorte, este meu texto destina-se a portugueses, pelo que a compreensão de quanto está em jogo é simples de ser operada. Vejamos, então – mais uma vez – alguns dos aspetos que estão em jogo neste caso que foi agora abordado por António José Seguro.
Em primeiro lugar, a chegada ao poder de Marcelo Caetano gerou entre os portugueses desse tempo um sentimento de mudança. É bom não esquecer a criação do subsídio eventual em valor equivalente a um décimo terceiro mês, surgido pelo final de 1972, o subsídio de refeição, a modernização esperançosa na Educação, e, por tudo isto, um sentimento dinâmico de mudança, a médio prazo para melhor, e sentidamente irreversível.
Em segundo lugar, este clima de mudança acabou por gerar dúvidas com os acontecimentos da manhã de 25 de Abril. O fim da defesa das antigas províncias ultramarinas foi plenamente aceite, mas rapidamente teve lugar o retorno de nacionais, com os mil e um queixumes ao redor de tal acontecimento. Como é usual, os portugueses imaginaram que era possível o ouro sobre azul neste domínio.
Em terceiro lugar, a Revolução de 25 de Abril veio atingir uma população que nunca teve na democracia um fim muito exigente. Não se era completamente contra ela, mas as coisas lá iam melhorando, pelo que uma revolução teria sempre de criar dúvidas. Estas surgiram logo com os acontecimentos de 1974/1975 e, depois, com o recurso ao apoio do Fundo Monetário Internacional. Uma realidade que se repetiu em menos de uma década. Para os portugueses, habituados à calma e a um baixo grau de exigência, tal situação começou a mostrar-se demasiada.
Em quarto lugar, começou a desenvolver-se um sentimento rápido de impunidade, permitindo que cada um conseguisse o seu melhor caminho sem grande responsabilidade, e materializando uma marca que acabou por fazer escola: nos grandes casos envolvendo personalidades públicas, de um modo muito geral, tudo era sempre nada. Ainda assim, nunca em Portugal esta realidade da impunidade se teria tornado algo de muito desagradável, assim os portugueses e as suas famílias conseguissem levar uma vida minimamente segura e onde o crescimento económico e o desenvolvimento do País fossem visíveis.
Em quinto lugar, e sempre sem grande atenção, os portugueses lá foram levados para a Europa e para o euro, com dinheiro a rodos a chegar ao País, mas com todos, sempre silenciosamente, a poder ver o modo como tais verbas eram manuseadas por muitos dos que os rodeavam e sempre sem consequências. Uma onda comportamental que foi fazendo escola, mas que preparou os portugueses para o reconhecimento da falência do modelo político-constitucional que havia nascido em 1976.
E, por fim, esse erro histórico, que foi a eleição para Presidente da República de uma personalidade da direita, assim propiciando o surgimento, pela primeira vez na III República, de uma Maioria-Governo-Presidente dessa área. Uma área política que sempre rejeitou, de facto, a Revolução de 25 de Abril que teve lugar, e que também nunca aceitou a Constituição de 1976, mormente na parte respeitante ao Estado Social.
Lamentavelmente, o PS deitou-se a alinhar com a grande estratégia norte-americana de um modo absolutamente incondicional, o que transformou o funcionamento do nosso Sistema Político numa estrutura completamente enviesada, embora extremamente funcional em termos de representatividade parlamentar. Pois, é aqui que António José Seguro se propõe agora mexer.
De facto, o descontentamento profundo dos portugueses com a vida pública e com as suas instituições nada tem que ver com o número de deputados hoje na Assembleia da República, nem com o distanciamento em face dos deputados, coisa que, naturalmente, iria sempre continuar. É sempre assim em quase toda a parte.
Com as propostas ora apresentadas por Seguro haveria um vencedor de muito longo prazo: o PSD e a direita que, com os seus interesses, para aí se mudaria de armas e bagagens. Os pequenos partidos de sempre quase se extinguiriam, deixando de representar importantes franjas do nosso tecido social. Ao PS, a prazo, seguir-se-ia uma diminuição forte, que acabaria por limitar o seu acesso ao poder em condições determinantes.
Estas ideias de António José Seguro mostram uma das razões dos portugueses terem chegado ao estado de cansaço com a vida pública e com a generalidade das instituições, porque o líder do PS, exclusivamente para vencer uma eleição que será passageira, acabou por ir colocar o seu partido e o País num autêntico beco sem saída no plano da representatividade política. Se o interesse já é pequeno, bom, passaria a infinitésimo.
Mas cá estaremos todos nós para ver no que toda esta iniciativa de António José Seguro se irá saldar, muito em especial no que diz respeito à atitude dos deputados que estão na Assembleia da República. Se os deputados do PS pensarem um pouco, por rápido perceberão que o cansaço dos portugueses se deve à pobreza e à miséria para que foram atirados. É aqui, pois, que o PS deve atuar, fugindo da zona que tem apoiado, ou consentido, todos os atuais desvarios. De resto, os que assim vêm procedendo, nunca aceitarão mudanças de fundo no que já fizeram, porque desde o tempo de Francisco Sá Carneiro tudo tentaram para parar e inverter o caminho que surgira e se desenrolara a partir da manhã de 25 de Abril de 1974.