Em que se fica?

Hélio Bernardo Lopes
Escreve diariamente
A grande generalidade dos portugueses já percebeu que não dispõe, afinal, de um qualquer ínfimo de poder, sequer, para garantir que se ponha moral no ambiente financeiro do País. Como escrevi ontem, já ninguém acredita em nada nem em ninguém. E tal sentimento corresponde inteiramente à realidade que se implantou no nosso tecido social. Temos uma democracia formal, mas não temos um ínfimo de poder sobre os caminhos do devir de Portugal.

Neste momento – quando escrevo este texto –, raros acreditarão que se venha a perceber, com clareza, o que foi todo este caso GES/BES. Ainda agora quase nada se conhece sobre tempos, reuniões, decisões, exigências, incumprimentos, mentiras, e o que mais surgir ao pensamento. Pior ainda: ninguém hoje acredita que tudo isto venha a ser realmente conhecido. E, no entanto, não faltaram intervenientes, entretanto deixados de se ouvir ou ver.

Um pouco inacreditavelmente, nós fomos assistindo a sucessivas garantias dadas pelo Presidente Cavaco Silva, pelo Governo e pelo Banco de Portugal, de que o BES era distinto do GES e que se encontrava bem e a bom recato do que pudesse vir a dar-se com o caso GES. Hoje, conhece-se já a realidade, tornando-se evidente que, uma quinzena antes do estrondo, o académico Francisco Louçã, no seu TABU, havia salientado ser quase certo que ali entrariam dinheiros públicos. Está aí a realidade bem à vista de todos.

E se é verdade que estivemos à beira de cair do fio da navalha para um precipício, como explicou Carlos Costa na Assembleia da República, a verdade é que acabou por deitar-se mão da criação de um banco limpo a colocar à disposição de quem o venha a comprar. E por que preço... Enfim, andam por aí, até bem visíveis, os bem falados riscos para os contribuintes. Já todos se deram conta. Adiou-se o problema, como muito bem explicou Francisco Louçã.

Mas há um dado que surgiu com a presença de Carlos Costa na Assembleia da República: a supervisão bancária talvez não seja o principal problema, sobretudo por não ser suscetível de boa aplicação com as condições que conduziram à crise e que se mantêm. O que Carlos Costa explicou foi que estas coisas só se vêm a conhecer quando ocorre uma rotura forte. A supervisão, afinal, vale pouco. E haverá, entre nós, punição digna desse nome? Bom, ninguém acredita.

O que Carlos Costa não disse – nem os políticos ligados ao PS, PSD ou CDS/PP – é que a atual ordem financeira internacional está viciada. Ela distribui lucros – é preciso que existam – pelos acionistas, mas impõe a recuperação dessas entidades, no caso de desastre, natural ou fraudulentamente provocado, por todos os cidadãos. É o tal sistema que mata...

Claro que Carlos Costa ou os detentores de soberania deste tempo não podem reconhecer certas realidades, como o imperativo de se iniciar uma extinção dos offshores, ou o de separar, de facto, a banca comercial da de investimento, ou taxar as transacções do setor financeiro, ou exigir a explicação da origem do que, de um modo evidentemente anormal, se possui e se não coaduna com o que se declara. Todos sabem que estes são passos essenciais, mas ninguém inicia o movimento básico para pôr as coisas na ordem.

Resta-nos esperar pelo próximo acontecimento desta já longa sucessão portuguesa: BCP, BPP, BPN, BANIF, GES, BES. Mas, entre amigos, até podem aceitar-se apostas simples e simpáticas, como jantaretes ou um bom livro. E sabe o leitor o que me surge agora no pensamento? Aquela velha canção que nos dava este refrão: É uma casa portuguesa, com certeza! É, com certeza, uma casa portuguesa!...

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN