O pântano português

Hélio Bernardo Lopes
Escreve diariamente
Num meu texto de ontem fiz uma referência ao de Alfredo Barroso no i, CINCO QUESTÕES AO PS PARA MEMÓRIA FUTURA. Aí pelo terceiro ou quarto parágrafo, Alfredo esclarece logo que votará em António Costa, mas, se ele vencer, como espera, o seu apoio será sempre condicionado e não cego. Sendo este tempo eleitoral essencial ao esclarecimento das cinco questões que expõe no seu artigo, o seu voto só não será cego se depender de uma resposta prévia à referidas questões.

Ora, o quarto tema colocado por Alfredo Barroso prende-se com a futura posição do PS quanto à política de alianças, que todo o partido democrático que se preze tem a obrigação de avaliar, debater e definir com clareza, e, naturalmente, com flexibilidade. Logo admitindo que o PS possa não obter uma maioria absoluta – é o que terá lugar –, Alfredo questiona-se sobre se o PS preferirá fazer uma aliança com qualquer dos partidos que estão no Governo e que, desde há três anos, só têm empobrecido os portugueses e arruinado o País, ou considerará seriamente a possibilidade de tentar chegar a uma plataforma mínima de entendimento – não necessariamente a uma coligação pós-eleitoral – com os outros partidos de esquerda (BE e/ou PCP) que viabilize uma solução de governo verdadeiramente alternativa e sustentável.

Como se percebe, tudo isto é retórica, porque Carlos César já vem dizendo desde há uns dias a esta parte que não lhe repugna um novo Bloco Central. Ou seja, o PS, se António Costa sair vencedor da atual peleja, é para aí que se voltará. Quem não o fez até agora foi António José Seguro, como se conhece à saciedade. De resto, esta foi sempre a tradição do PS desde a Revolução de Abril: virar-se para a direita.

Mas António Costa foi já mais claro, garantindo que o PS não pisca à direita nem à esquerda, preferindo um partido virado para todos os portugueses. Simplesmente, e como Alfredo Barroso facilmente percebe, aliar-se à atual direita será manter uma postura política de bengala dessa direita – foi o que se deu desde 1974 –, mesmo que venha a ser o partido mais votado em 2015. O que o PS vai fazer, depois de 2015, é o que sempre fez desde a Revolução dos Cravos: aliar-se à direita. Ou seja, a pobreza, a miséria, o desemprego e a emigração vão continuar. E – quem sabe? – talvez se venha a pôr, nessas circunstâncias, o tão desejado fim na Constituição de 1976, sempre pedido pela direita.

Note-se, a este propósito, como Eduardo Marçal Grilo, também dito como da área do PS – ou seja, o tudo em nada –, já admite como coisa natural a emigração, verdadeiro horror saído da pena do atual Primeiro-Ministro. Uma autêntica ponte para que o PS que aí poderá vir passe a olhar de um modo diametralmente oposto o que a atual Maioria-Governo-Presidente tem vindo a aplicar.

Contrariamente ao que se vem apregoando, os históricos do PS de há muito pretendiam pôr um fim na Constituição de 1976, entrando de armas e bagagens para a vida político-económica neoliberal. Querendo fazê-lo mas não podendo dizê-lo, foram-no, porém, fazendo de um modo lento, em ordem a não potenciar grandes reações. Simplesmente, foram ultrapassados por todos os lados, desde Belém às bancadas de S. Bento, do jornalismo à banca, dos trabalhadores aos patrões. Hoje, o PS é um partido só e sem propostas, dadas as suas ligações aos grandes interesses. No fundo, um figurante político de segunda neste jogo de sombras. A ideia inicial, completamente errada, era esta: deixava-se o PSD e o CDS/PP destruir o Estado Social, e o PS surgiria depois para capitalizar o descontentamento.

A verdade é que venceram, ainda assim, duas eleições e preparavam-se para vencer a terceira, embora apenas com maioria simples. O problema é que António José Seguro já não dispunha de condições para dar o dito por não dito. Em boa verdade, o efeito seria o que agora já se percebeu: um desastre, precisamente lavrado pelos históricos do PS desde o início deste Governo, mas que falhou. E a razão é simples: há desemprego, fome e miséria e os portugueses querem o que, ilegitimamente – as razões ideológicas da direita de abril –, lhes foi tirado.

Note o leitor que o PS foi a principal força política portuguesa que arrastou Portugal para a barafunda europeia, por cuja via se perdeu a independência do País e se acabou por pôr em causa o valor da democracia. Sendo a ideia da Europa um dos mais extraordinários movimentos humanistas da História, como há dias referiu José Narciso da Cunha Rodrigues, a verdade, que também ele reconheceu, é que se opera hoje a desconstrução dos direitos no seu seio.

Simplesmente, teria de ser assim, no mínimo, pelas razões que expliquei a um dos primeiros eurodeputados, a um académico do Direito e a um alto magistrado. Ainda não estávamos na Europa, mas, conhecendo a História, era fácil perceber o sistema de incompatibilidades a que iria chegar-se.

Hoje, a situação política portuguesa é a de um autêntico pântano. A democracia perdeu quase todo o significado, e perderá ainda mais com a nova réplica do Bloco Central da Miséria. A União Europeia, podendo ter sido um sonho humanista – e também uma jogada religiosa...–, perdeu toda a sua credibilidade, porque para lá dela estão os Estados, com tudo o que a História e os seus séculos lhes impôs. As coisas são como são e de há muito que se conhece o suficiente para se saber os terrenos que deviam ser evitados... Ao hipotecar os seus valores ao longo destas quatro décadas, o PS deitou para o cesto da política o valor e o significado da democracia e ajudou a criar o pântano que está aí e a crescer rapidamente.

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN