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Hélio Bernardo Lopes Escreve diariamente |
Terá o leitor reparado que, ao contrário do que teve lugar com outros concidadãos, desta vez as televisões não estiveram presentes no momento da detenção de Ricardo Salgado, a fim de ser presente a juízo. Em contrapartida, surgiu a notícia, apenas nalguns meios de comunicação social, a cuja luz Ricardo Salgado teria sido notificado de véspera e se teria posto à disposição para se deslocar ao Tribunal Central de Instrução Criminal.
Ora, como o leitor poderá ter percebido, esta notícia não proveio diretamente do tribunal nem foi exposta pelo ora arguido. Dizem alguns que foi assim, mas não se conhece a realidade, contada por quem possa fazê-lo garantidamente. O que significa que esta notícia, em boa verdade, é uma não notícia. Nos tribunais norte-americanos o juiz diria aos jurados que não a tivessem em conta na apreciação dos factos.
Depois, sobretudo nas televisões – a distribuição não é uniforme –, surgiu a notícia de que Ricardo Salgado teria sido detido pelas sete da manhã, mas não se refere nunca – quase nunca – se foram alvo de buscas a sua residência e as tais (supostas) duas salas do hotel nem o que de lá foi retirado. Porque se foram, então não faz sentido a notícia que deve ser considerada uma não notícia.
Logo de seguida, surgiu a teoria do bode expiatório, que é algo sem sentido, dado que existem já muitas outras pessoas envoltas no caso Monte Branco. De resto, filosofando um pouco e à sua maneira, foi muito interessante a ideia de José Pacheco Pereira na última QUADRATURA DO CÍRCULO, onde formulou votos para que Ricardo Espírito Santo Salgado desse agora a conhecer tudo o que sabe ao redor do que possa estar em jogo neste caso. E tanto no caso Monte Branco, como em quanto se passou no GES/BES e na sua completude. Como é evidente, tratou-se de uma graça, mas cheia de significado.
Claro que os portugueses já hoje conhecem o comportamento esperado da generalidade dos nossos meios de comunicação social mais referentes. Já sabem, pois, distinguir os diversos ruídos que se lhes vão mostrando em cada caso. Além do mais, e graças à ação do procurador Rosário Teixeira e do juiz Carlos Alexandre, o nosso Sistema de Justiça tem vindo a tocar quem todos os portugueses sempre imaginaram ser intocável em Portugal. Não há, com este par de magistrados, um problema de incompetência, bem pelo contrário. O que significa que, num dia destes, talvez aí nos venha a surgir uma qualquer reforma destinada a retirá-los destes casos, onde o êxito tem sido muito elevado.
De tudo isto surgiram, no mínimo, três situações pautadas por uma extrema infelicidade: a protagonizada por Clara Ferreira Alves, no mais recente O EIXO DO MAL; a produzida por José Sócrates no seu comentário deste mais recente domingo; e a de Miguel Sousa Tavares na sua intervenção desta segunda-feira. Três momentos da mais extrema infelicidade.
No primeiro caso, Clara salientou o que seria um enorme perigo decorrente do facto de Carlos Alexandre quase ter de ser um monge, tal é o volume processual a abarcar. Esquece – propositadamente, claro – que nem Carlos Alexandre nem Rosário Teixeira desempenham as suas funções isoladamente, antes são apoiados por colegas diversos e de hierarquias várias. Orientarão, e desbravarão, mas as partes mais complexas, ligadas à estratégia do que está em causa, porque haverá muito trabalho de equipa. Em todo o caso, lá surgiu o problema do Rosário e do Carlos, que até têm tido êxitos inesperados no panorama institucional português.
No segundo caso, José Sócrates e os seus comentários muito infelizes sobre este caso. No fundo, Sócrates, sem nada saber do que se passou e do que se contém no processo, para lá do que foi divulgado, de pronto se pôs a comentar o mesmo, lamentando que não seja tenha sido dada uma explicação capaz ao País e a todos nós. Como se tal seja feito nos casos mais diversos! Nem sequer se recordou dos casos Strauss Kahn, nos Estados Unidos, ou Berlusconi, em Itália, ou Sarkozy, em França, ou da infanta Cristina, em Espanha. Considerações simplesmente lamentáveis.
Por fim, Miguel Sousa Tavares, no seu comentário da SIC, nesta segunda-feira. Ficámos a saber, por via das explicações de Miguel, que foi casado com uma prima de Ricardo Salgado e que uma das suas filhas está casada com um filho de Ricardo. Ou seja: Miguel Sousa Tavares é compadre de Ricardo Salgado. De molde que pergunto ao leitor: acredita que o nosso Conselho Superior da Magistratura aceitava que um juiz decidisse num processo na posição de Miguel? Claro que não! Nem o leitor nem o Quilas. A verdade é que Miguel se sentiu com o pleno grau de liberdade para (de modo dito independente) comentar este caso.
Tal como já se dera com Clara Ferreira Alves, lá veio a conversa sobre Carlos Alexandre e Rosário Teixeira, embora estes nossos dois magistrados tenham mostrado a mais cabal competência nos casos que têm tido entre mãos. Segundo Miguel, até talvez não exista promiscuidade político-judiciária em Portugal, antes muita incompetência no Sistema de Justiça. Não concedendo o benefício à sua primeira impressão, a verdade é que Carlos e Rosário nada têm de incompetentes. É uma porra...
Mas Miguel, certamente por acaso, esqueceu-se daquelas palavras do Juiz Carlos Alexandre, proferidas à noite, em Mação: com ele, aquela máxima de que onde o dinheiro fala, a justiça cala não faz (nem fará) vencimento. O que significa tão-só isto: se por aí existe quem queira que tudo o que possa ser praticado por barões dê em nada, trate de tirar das suas funções o par Carlos-Rosário. Como pôde já ver-se à saciedade, com estes dois magistrados as coisas seguem o rumo que está na lei publicada. E porque não fazer uma qualquer nova lei, de molde a dar por corretas certas incorreções do tempo que passa? Bastava remudá-la um ou dois meses depois! Ou não tenho razão? Claro que tenho! E os portugueses importavam-se? Claro que não!
Por fim, aquela magnífica babada do problema de que se é inocente até trânsito em julgado de uma decisão condenatória. A verdade é que isso mesmo nada prova, como qualquer jurista conhece bem, porque ordem jurídica alguma pode garantir que os atos praticados no seu seio são justos.
Não há muitos dias, e aí nos foi dado ler a impressão de Clara Ferreira Alves ao redor de um caso em que existiu uma condenação transitada em julgado. E até pode ser que tenha razão, o que não pode é usar um critério aqui e logo outro acolá. Foram três momentos extremamente lamentáveis. Percebe agora o leitor a razão de ter Portugal chegado ao estado em que se encontra?