A liberdade religiosa em Portugal

Hélio Bernardo Lopes
Escreve diariamente
Uma notícia com dois ou três dias determinou este meu texto, onde abordo um tema sobre que já escrevi, no mínimo, uma vez, embora talvez não mais: o da liberdade religiosa. Comecemos, então, pela história que eu relatei em tempos e se passou comigo e com um cadete da Academia Militar e em minha casa, durante uma explicação de Matemáticas Gerais a cinco cadetes.

Nessa explicação semanal – era quarta-feira –, um dos jovens faltou, tendo-me sido explicado que fora escalado para uma cerimónia religiosa, creio que na Basílica da Estrela, acompanhando a presença do corpo de um oficial-general muito prestigiado. De molde que de pronto me ocorreu a conversa que acabei por ter com o referido jovem, mas na semana seguinte.

Ao voltar a vê-lo, perguntei-lhe se essa escolha da sua pessoa era obrigatória, ao que me respondeu afirmativamente: se for escalado, tenho de ir. Fiquei admirado e salientei-lhe que a Constituição da República, tal como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, estabelecem, sem margem para dúvidas, o Princípio de Liberdade Religiosa. Para meu espanto, dele recebi esta resposta: sim, mas é que o Exército Português é católico.

Nestas circunstâncias, coloquei-lhes, então, esta pergunta: portanto, será proibida a entrada na carreira do Exército a ateus, agnósticos, islamitas, judeus, hindus, etc.? Respondeu-me que eram situações diferentes e que não sabia, de molde que prossegui com os temas a tratar nesse dia. Mas nunca esqueci esta conversa, tendo mais tarde abordado o tema com um antigo aluno dos Pupilos do Exército e com um major-general meu conhecido. E de ambos recebi, sensivelmente, esta resposta: o assunto resolver-se-ia sem problemas nem conflitos, mas um islamita nunca chegaria a tenente-general, no máximo a major-geral.

Pois, há uns dois ou três dias tomei conhecimento, pela grande comunicação social, de que três centenas de militares terão sido obrigados a desfilar numa qualquer procissão. Instado a pronunciar-se, o Estado-Maior do Exército terá explicado tratar-se de um ato de serviço e que havia sido autorizado pelo Ministério da Defesa Nacional. Para mim, tudo isto constitui uma inacreditável conversa, porque o Princípio de Liberdade religiosa está constitucionalmente consagrado e porque o atual Papa e os seus predecessores – três ou quatro – sempre brandiram a defesa desse princípio.

Mas isto mostra o modo consciente como a Igreja Católica viola os seus próprios princípios, malgrado o Papa Francisco ter já reconhecido que metade dos casamentos católicos são celebrados por serem mais bonitos. No fundo, a Igreja Católica o que quer é número, porque logo atira para o cesto dos papéis os princípios de segunda linha. Ou seja: os líderes de uma qualquer religião têm sempre uma visão totalitária da sua, aplicando-a a esmo sempre que conveniente. O número é essencial, especialmente quando este diminui a olhos vistos, perante o silêncio em face da miséria que varre o Mundo. Não o silêncio de Francisco I, porque as suas palavras têm um quase nulo efeito, mas as dos seus representantes nacionais, imensamente mais eficazes.

Por fim, conto aqui uma história que se passou no meu sétimo ano liceal. O reitor, que sempre havia sido ateu, converteu-se já com idade muito avançada – ler O DRAMA DE JOÃO BARROIS –, passando a viver a ação religiosa com o fervor de quem havia frequentado um cursilho de cristandade. Em certo dia, celebrou-se no ginásio do liceu uma missa por alma do Professor Serradas Duarte, de quem eu sempre havia sido muito amigo, e também aluno. Então, o reitor determinou o encerramento dos portões, de molde a que todos os alunos fossem assistir à referida missa. Tratava-se, em todo o caso, de um ato ilegal e inconstitucional.

Num ápice, arregimentei cerca de mais trinta colegas e fomos falar com o reitor, salientando que todos gostávamos de Serradas Duarte, mas que era revoltante ter de frequentar uma missa em seu nome. Ele mesmo – Serradas Duarte – nunca aceitaria tal. Enquanto ali trocávamos razões, entrou o histórico padre Alberto Neto – o da Capela do Rato –, que logo disse para Mário Mora: Senhor Reitor, peço desculpa, mas já mandei abrir os portões, porque a Igreja não obriga ninguém a ir à missa. Mas esta iniciativa de Alberto Neto nunca teria tido lugar com Pedro Gamboa. Ou com Manuel Gabriel da Costa Maia, também um dos meus grandes amigos.

É espantoso constatar como, quatro décadas depois da Revolução de 25 de Abril, ainda se mantém esta prática de não respeitar a laicidade do Estado e de compelir cidadãos a estar presentes numa cerimónia religiosa completamente à revelia da sua postura religiosa! Aqui está uma tema com que a deputada Teresa Leal Coelho devia preocupar-se, ao invés de tanto viver um patético receio em face da Maçonaria. Enfim, temos a democracia...



E já agora: o Diário de Notícias de ontem, aí pelas 17.05 h trazia os resultados de uma sondagem sobre o tema, com 20 % apoiando a prática atual e 80 % condenando-a. Simplesmente, nós, graças ao Movimento das Forças Armadas, temos a democracia, pelo que o desrespeito pelo Princípio de Liberdade Religiosa continua omnipresente. É o Portugal de sempre.

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