Óticas de circunstância

Hélio Bernardo Lopes
Escreve diariamente
A vida política é uma mentira pegada, onde o que se aponta aqui como bom é ali logo dado como mau. Escrevo este texto ao redor do caso da Praça Tiananmen, em 04 de Junho de há duas décadas e meia, acontecimento que tem vindo a ser brandido pela nossa grande comunicação social, mas de um modo completamente oposto ao utilizado para tratar casos incomensuravelmente mais graves, mas praticados por Estados do Ocidente. Mas o que mais me incitou a dar este texto à estampa foi o de Raquel Vaz-Pinto, surgido no Público com o título, TIANANMEN, MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS.

Deixo ao leitor a incumbência de ler o texto da académica, o que será de enorme facilidade. Se é que o não leu já. Aqui, neste meu texto, prefiro tentar mostrar o modo como no Ocidente – neste caso, em Portugal – se tratam situações como a da Praça Tiananmen como coisa gravíssima, mas se faz por esquecer, ano após ano, casos incomensuravelmente mais graves que o daquele dia de há vinte e cinco anos.

Em primeiro lugar, volto a instar o leitor a tentar ler a obra de Gordon Thomas, SEMENTES DE FOGO, porque a mesma se constitui num diário dos acontecimentos da Praça Tiananmen, ao mesmo tempo que mostra como o Presidente Bush – o Pai – tudo fez para que nada surgisse na comunicação social norte-americana durante os dias essenciais à resolução do problema. Apenas à CNN foi concedida a autorização para que se cobrissem, minimamente, os acontecimentos em causa. O que explica a extrema raridade em matéria de imagens do que se passou.

Em segundo lugar, o leitor já deverá ter ouvido, nestes dias, referências ao número de mortos que terá tido lugar. Perante os mesmos, lembremos a Guerra do Vietname: desenvolveu-se entre 1955 e 1975, com os Estados Unidos a entrarem em força por via de John Kennedy, e que apresentou um saldo de mais de dois milhões de mortos entre civis e militares, para lá da utilização de armas químicas, crimes de guerra de todo o tipo, crimes contra a Humanidade e mentiras diversas ao Congresso dos Estados Unidos. E vê ou ouve o leitor alguma recordação, nas nossas televisões, tão insistente sobre este crime cometido pelos Estados Unidos? Claro que não!

Em terceiro lugar, a invasão do Panamá pelos Estados Unidos, supostamente para deter o narcotraficante Manuel António Noriega, que foi um argumento completamente falso. Tratou-se, segundo os americanos, de uma operação cirúrgica, mas a verdade é que, segundo a Human Rights Watch, o número de mortos terá sido de cerca de quatro mil militares panamianos e dezasseis mil civis. E vê ou ouve o leitor alguma recordação, nas nossas televisões, tão insistente sobre este crime cometido pelos Estados Unidos? Claro que não!

E, em quarto lugar, a Guerra do Iraque, suportada em cerca de um milhar de mentiras de Buch e Cheney a entidades as mais diversas. Tal como sempre se percebeu ou soube, as tais armas de destruição maciça não existiam. Para esta guerra, com sequelas ainda a decorrer, estima-se um número de mortos de cerca de meio milhão de iraquianos e alguns milhares da coligação mentirosa. E vê ou ouve o leitor alguma recordação, nas nossas televisões, tão insistente sobre mais este crime cometido pelos Estados Unidos? Claro que não!

Se existissem apostas em torno destes temas, eu creio que as ganharia se apostasse que Raquel Vaz-Pinto nunca terá escrito sobre a fantástica violação de Direitos Humanos por parte dos Estados Unidos nestes três casos. Três em muitas centenas, note-se. Também estou quase certo de que Raquel nunca terá abordado a morte, às centenas de milhares, de sérvios ortodoxos às mãos dos croatas católicos, coligados com as tropas de Hitler e sob o comando de Ante Pavelic, que chegou a estar protegido durante dois anos no Vaticano, acabando por nunca ser presente ao Tribunal de Crimes de Guerra.

Por fim, Guantánamo. Pois, lá continua, com toda a naturalidade, sem que os que se preocupam com a crise provocada pela Alemanha na Ucrânia – dizem agora que a culpa foi e é dos russos – abram a boca para criticar mais esta afronta à Rússia. Mesmo que morra gente à fartazana. De resto, já temos o exemplo sírio, ou os mais recentes colonatos de Israel em território palestiniano. Só que tudo isto são coisas correntes, bem menos importantes que o joelho de Ronaldo.

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