O admirável mundo novo

Hélio Bernardo Lopes
Escreve diariamente
Aí pelos meus trinta e oito anos dei-me conta de que o progresso científico e tecnológico acabaria por destruir, de facto, a verdadeira liberdade das pessoas. Tudo se estava a complexificar, o que acabaria por criar terríveis dificuldades a quase todos. E discuti isto mesmo com um amigo meu, muito mais novo, mas que veio a falecer com um sarcoma.

O meu amigo era filiado no PCP, sem dúvida honesto, mas completamente crédulo na capacidade do Homem e na sua boa vontade. Bastaria, no seu entender, que o acesso ao saber fosse amplo, porque desse modo as decisões seriam muito mais conscientes. À luz do seu pensamento, um cidadão técnica e culturalmente bem apetrechado escolheria sempre contra o mal, na defesa dos seus interesses, sim, mas também com o bem comum no pensamento.

Lamentavelmente, já não chegou a poder ver o estado a que se chegou. Mas o meu amigo também não chegou a poder ouvir o que tem dito o Papa Francisco, e que tanto mal-estar tem causado nos meios mais reacionários da Igreja Católica – estou a pensar, sobretudo, no Opus Dei. Nem chegou a ouvir reconhecer que as alterações climáticas e a concentração da riqueza estão a ameaçar o progresso dos países.

Surgiu ontem a notícia – de há muito percecionada – de que metade dos mais pobres tem tanto como os oitenta e cinco mais ricos. E também que o fosso entre ricos e pobres continua a ser cada vez maior. Uma estimativa recente – é uma estimativa, claro – aponta para que em 2030 haja quatrocentos milhões de pessoas a viver em pobreza extrema, caso a trajetória de crescimento que fomenta a desigualdade não seja alterada. E não deverá vir a sê-lo, como se perceciona.

Claro que custa acreditar que as coisas mudem, até porque o poder decisório das pessoas está reduzido a quase nada. Temos a democracia, certamente, mas facilmente nos damos conta de que a mesma, para lá de nada permitir resolver deste desastre humanitário mundial – também nacional –, ainda acaba por se constituir num poderoso instrumento dos grandes interesses económicos e financeiros mundiais ou nacionais.

Mas o meu falecido amigo também já não chegou a tomar conhecimento do astronómico número de seres humanos que se encontram atualmente na pobreza, metade das quais em pobreza crónica: mil e duzentos milhões de seres humanos... Hoje, sete em cada dez pessoas vivem em países onde a desigualdade económica aumentou nas últimas três décadas... Uma realidade que está aí e para ficar e crescer, uma vez que a natureza do trabalho se modificou, fruto, precisamente, da evolução científica e tecnológica, e porque as pessoas passaram a ser olhadas como descartáveis pelos elementos da nova classe política, como há dias tão bem referiu o Papa Francisco.

Tudo isto, caro leitor, é a mais que esperada consequência do admirável mundo novo, no qual, algo ingenuamente, tantos acreditaram (e durante tanto tempo) estar a solução paradisíaca para a vida no Planeta. E mesmo hoje continuam a existir longas legiões de defensores de tal inacreditável esperança, seja por interesse ou por ingenuidade. No entretanto e como sempre depreendi, aí está a eutanásia a instalar-se aos poucos. E, ou bem me engano, ou deverá vir a sofrer, proximamente, uma fortíssima aceleração, fruto, naturalmente, da fortíssima diminuição dos cuidados em saúde. Uma tristeza.

www.CodeNirvana.in

© Autorizada a utilização de conteúdos para pesquisa histórica Arquivo Velho do Noticias do Nordeste | TemaNN