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Hélio Bernardo Lopes Escreve diariamente |
Em todo o caso, uma coisa foi a resposta já dada pela atual liderança do PS, outra a que acabará por vir a dar-se se essa atual linha política vier a mudar. Tal como pude já escrever por diversas vezes, o PS foi o grande porteiro que, na política portuguesa, abriu as portas ao regresso dos herdeiros da II República ao poder. O caso mais evidente e mais recente foi o amplíssimo apoio dado por Mário Soares à candidatura de Pedro Passos Coelho, ao mesmo tempo que este apontava o neoliberalismo como meta e caminho e quando atacava o PS de todo o modo e feitio. Foi o tempo em que, quase diariamente, Soares nos dizia que Pedro Passos Coelho era uma pessoa muito simpática e com quem se podia dialogar.
Acontece que o PSD só apresentou esta proposta neste momento porque conta com uma mudança política no seio do PS. Com a atual liderança, como já pôde ver-se à saciedade, o PSD nunca poderia imaginar um tal objetivo político: pôr um fim, de facto, em tudo o que possa relacionar-se com a Revolução de 25 de Abril e com o seu espírito, mas também na Constituição de 1976.
Tudo teria sido diferente se o PS de Seguro tivesse aceitado a ideia presidencial do consenso, porque daí se seguiria a evidente destruição antes referida. Simplesmente, António José Seguro sempre se opôs a tal consenso, que seria ruinoso para o PS. O mais espantoso de tudo isto é que foi dos históricos do PS – dos principais – que partiu esta ideia de vir a apoiar a proposta de revisão constitucional do PSD. Ficaria, claro está, a (dita) democracia – um anestesiante que quase já não funciona –, mas tudo o que verdadeiramente se prende com a defesa da dignidade humana teria um fim. Mormente o Estado Social, que com futuras mudanças no PS não mais voltará. De resto, os tais históricos do PS sempre desejaram que o PSD e o CDS/PP destruíssem o Estado Social, porque poderiam depois dizer que foi a direita, argumentando com a suposta dificuldade em repor o que existia… É bom, neste domínio, recordar a visita de Soares à sede do PSD, acompanhado de Leonor Beleza e de Alexandre Soares dos Santos. Alexandre que aponta Soares como o maior político que conheceu...
Desta proposta de revisão constitucional do PSD há dois pontos que sobressaem: o do fim do Tribunal Constitucional e o da possibilidade de rever a Constituição da República por meio de referendo. Vejamo-los.
Pôr um fim no Tribunal Constitucional, para lá de um sonho político-partidário de sempre do PSD, retiraria ao escrutínio constitucional toda a dignidade. De resto, o Supremo Tribunal de Justiça, por via da partidarização já operada da Justiça, não se compõe apenas de juízes de carreira, mas também por conselheiros aí chegados porque a classe política determinou que esses escolhidos são personalidades de superior qualidade jurídica. Ou seja, não passa de uma balela o argumento de Guilherme Silva e dos deputados do PSD.
Quanto à possibilidade de revisão constitucional por referendo, tal seria o regresso à aprovação da Constituição de 1933, por via referendária. E se é verdade que muita gente do PS e os políticos da esquerda sempre se bateram contra o regime constitucional da II República – muitos ainda estão no PS, mas são, de facto, neoliberais –, já no PSD tal realidade é verdadeiramente uma agulha em palheiro: é incomensuravelmente curta a memória da luta contra o Estado Novo. Não sendo completamente inculto no domínio do Direito, para lá da Suíça – e será que tenho razão? –, não me ocorre agora nenhum Estado do Primeiro Mundo onde se operem revisões constitucionais por via de referendo. Esta inacreditável proposta de revisão constitucional do PSD tem a mesma causa de terem os portugueses chegado ao estado em que estão ou de acreditaram nos sonhos do Europeu ou do Mundial. Os portugueses, desinteressados e desatentos, conhecem muito mal a História de Portugal, a da Europa e a do Mundo. Por fim, o PS. Não, naturalmente, o atual, mas o de Amado, Lamego, Mateus, Vera Jardim, Almeida Santos, Arnaut, Alegre e, até, Mário Soares. Tome nota, caríssimo leitor: eles, como sempre se deu no PS, lá acabarão por vir a apoiar esta proposta de revisão constitucional. E porquê? Bom, porque os seus valores políticos estão completamente esfarrapados por toda a parte. Um verdadeiro monte de escombros políticos. E sabe quem produziu tal realidade? Pois, os tais campeões do (dito) socialismo democrático. Vai ser o fim da Revolução de Abril, da Constituição de 1976 e das próprias liberdades. Ficará a dita democracia, mas como simples anestesiante. Só não percebe quem não quer. Seja a razão de tal teimosia a que for.