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Hélio Bernardo Lopes Escreve diariamente |
Walter Kasper, cardeal alemão, numa entrevista à revista católica, COMMONWEAL, referiu que o Papa Francisco é da opinião que metade dos casamentos celebrados catolicamente não é válida. E porquê? Bom, porque uma enorme parte dos casais só querem uma cerimónia burguesa numa igreja porque é mais bonita e mais romântica. E é uma realidade, embora existam outros fatores que facilmente se reconhece estarem presentes nessa decisão.
Da conversa que manteve, sobre este tema, com Francisco I, o cardeal explica que o casamento é um sacramento e um sacramento pressupõe que haja fé. E, em boa verdade, é esta a realidade em termos absolutos. Simplesmente, cada um de nós pode muitíssimo bem perder a fé, o que retira o tal valor absoluto atribuído ao casamento quando este teve lugar.
Estranhamente, a doutrina oficial da Igreja Católica, não castigando ninguém por deixar de ser um crente no catolicismo, podendo mesmo optar por uma outra religião, já considera um dever manter a indissolubilidade do casamento quando quem o realizou perdeu a fé que lhe serviu de suporte. Indiscutivelmente, mesmo sem cair num relativismo cabal, a Igreja Católica parece não reconhecer a natureza humana, com as suas limitações e com os seus erros e mudanças naturais. A uma primeira vista, cada um de nós deveria ser um prisioneiro de valores inicialmente assumidos, até sem consentimento. É o que, de um modo muitíssimo generalizado, tem lugar.
A ultrapassagem das regras ligadas à celebração do casamento católico é do mesmo tipo da que tem lugar relativamente à sua doutrina, ensinada a crianças sem capacidade para poder dizer se querem este caminho ou um outro qualquer.
Questionado sobre o modo de atuar perante o meu neto, fui da opinião de que seria preferível levá-lo à descoberta do religioso através da discussão cultural, neste caso comigo e ao dia-a-dia. Hoje, o meu neto sabe mais sobre o Antigo Testamento e sobre o Novo Testamento que a generalidade dos católicos, incluindo os praticantes. E lá se tem vindo a questionar sobre a existência de Deus, tendo-lhe respondido que eu acredito na Sua existência, mas mostrando-lhe que a ideia de Deus vem desde que o ser humano existe.
Com frequência ligeira, traz-me ecos das aulas de Moral, que aproveito para lhe colocar novos problemas. Coloquei-lhe mesmo já esta questão: como é que tu reagirias se os teus Pais se divorciassem? E a resposta foi esta: porra, cala-te lá com isso, eles gostam muito um do outro. Ao que lhe acrescentei: por isso, é extremamente importante que se case por amor mas à luz de valores muito fortes, com uma certeza íntima de existir uma probabilidade ínfima do casamento falhar. No entretanto, também já lhe expliquei que no casamento é essencial respeito mútuo e consideração por cada um, distribuindo tarefas que reforcem um compromisso essencial, sempre dinâmico, mutável, mas que deve manter-se no essencial, até porque os filhos, como ele, não apreciam divórcios.
Mas o Papa Francisco, tendo razão na sua análise, também esqueceu uma outra faceta do casamento: a necessidade de um pequeno curso – uns meses – dos cônjuges com quem possa vir a casá-los, mas em que o sacerdote deve, muito acima de tudo, chamar a atenção para os riscos de uma qualquer vida em família e numa qualquer sociedade. A parte religiosa deve, em minha opinião, ser a menos presente, porque a principal, para quem quer casar catolicamente, é a que se refere aos riscos que sempre surgem num qualquer casamento, católico ou não.
Há neste caso, todavia, um aspeto que tem que tomar-se por tático, e que é este: a Igreja Católica está cada vez com menos gente, sobretudo, arreigada aos seus valores. Reconhecer que metade dos casamentos já celebrados não têm validade, para mais no tempo atual – convém ler O DESPERTAR DOS MÁGICOS –, poderá permitir recasamentos católicos, que poderão, porventura, voltar a fracassar. É um outro caminho, para lá do mamismo, sobre que falei há um tempo atrás...
Mau grado tudo isto, há um dado que é verdadeiro: o Papa Francisco continua a mostrar uma coragem que nunca se viu, embora o tempo exija esta mesma coragem. É, como se vê, mais um sinal do terrível tempo a que se chegou. Um outro é a guerra religiosa na Ucrânia.