Seria estranho se assim não fosse

Hélio Bernardo Lopes
Escreve diariamente
A edição de hoje do i traz uma sondagem que consigo transporta um enorme significado, porque mostra o modo como os portugueses apreciam a qualidade ética e moral dos políticos da II República face aos da atual III República. Mas também porque nos indica uma hierarquia de diversos aspetos da vida em sociedade que se ligam ao que consideram ser para si de maior importância.

Estes resultados, como me parece natural, nada contêm de estranho, mas mostram a desilusão que se abateu sobre a sociedade portuguesa ao fim de quarenta anos sobre a Revolução de 25 de Abril. E, sendo este acontecimento o considerado pelos portugueses como o mais importante da História de Portugal numa outra sondagem, tudo se conjuga no sentido de retirar esta conclusão: os portugueses continuam ligados à Revolução de 25 de Abril, e, como agora se vê, também aos benefícios naturais concedidos pela Constituição de 1976, mas não reconhecem idoneidade moral e ética à generalidade da classe política.

Mas eu penso que posso prolongar estas conclusões à classe mais geral da soberania, incluindo, pois, os Tribunais – no fundo, o Sistema de Justiça –, dado que uma enorme parte da sua ineficácia, como já se percebeu, não é dependente apenas da má legislação ou da falta de meios de natureza diversa. Existem limitações muito gerais que afetam hoje toda a área da nossa soberania, tendo-se ido longe demais com um certo tipo de discurso argumentativo em defesa de realidades com forte cunho de aparência.

A este propósito, merece aqui uma referência especial a ideia ontem brandida por Marcelo Rebelo de Sousa sobre a presença dos militares de Abril nas comemorações dos quarenta anos do 25 de Abril, sugerindo que poderia ser António Ramalho Eanes, um antigo Presidente da República, o militar a usar da palavra. Foi um momento de grande infelicidade de Marcelo, porque Eanes não foi um dos homens da Pontinha, embora tendo apoiado a ideia da revolução. Também não teve um papel decisivo no desenrolar das operações dessa madrugada. Do mesmo modo, não fez parte do Grupo dos Nove.

Mas, pior que tudo isto, Eanes transformou-se, de facto, já de um modo indubitável, num militar alinhado com a política da atual Maioria-Governo-Presidente, e por isso sem condições para operar o eco que os portugueses tanto desejariam que tivesse lugar por via da intervenção de Vasco Lourenço como representante dos Capitães de Abril. Eanes, para o desalento dos portugueses cauterizados de hoje, nunca poderia representar a voz de Abril. Para a imagem de Eanes, essa situação desapareceu.

Ora, a referida sondagem é deveras interessante, porque mostra o divórcio profundo entre a atual Maioria-Governo-Presidente e os portugueses. Assim, 37,2 % colocam o Serviço Nacional de Saúde como primeira prioridade, com 25,2 % a indicarem a igualdade de género como segunda prioridade, o acesso à Educação como terceira, a Segurança Social como quarta, a União Europeia como quinta, já só com a preferência de 9,4 % e a liberdade de expressão como última, apenas com 1,2 %. E, de facto, quando vamos almoçar nunca nos alimentamos com empadão de liberdade de expressão. E também não admira este último lugar, uma vez que os portugueses nunca colocaram a democracia como prioridade da sua vida. Foi por ser esta a realidade que Vítor Gonçalves questionou Otelo sobre se os portugueses convivem bem com a falta de liberdade. Aliás, por essa altura também Amadeu Garcia dos Santos reconheceu que aguentámos a II República tranquilamente.

Igualmente interessante é a imagem dos portugueses sobre os políticos, sendo vistos como mais sérios os da II República – 46,4 % – e só 17,7 % ao nível dos políticos da III República. Uma realidade opinativa que explica muitíssimo bem a razão da vitória de Salazar no tal concurso sobre O MAIOR PORTUGUÊS DE SEMPRE. Finalmente, a liderança. Também aqui os políticos da II República levam grande vantagem – 43,2 % –, face aos 33,1 % dos da III República.

Se a tudo isto juntarmos o estado a que chegaram os portugueses e Portugal, na sequência da intervenção política da atual Maioria-Governo-Presidente – mais de milhão e meio de atingidos na sua vida profissional e familiar e uns dois milhões ao nível da pobreza, e por enquanto –, percebem-se facilmente os resultados desta sondagem. É o eco de revolta destes resultados, que seria exposto por Vasco Lourenço na Assembleia da República no 25 de Abril próximo, que a classe política destes dias temeu rotundamente. É enormíssimo o horror da nossa classe política à voz de Abril.

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