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Hélio Bernardo Lopes Escreve diariamente |
A uma tal situação juntam-se dois fatores essenciais: a acefalia e cumplicidade de jornalistas e analistas, e a completa subordinação dos eleitos pelos portugueses, mas para não realizarem este tipo de tarefas. Por muito que a muitos custe, isto nunca teria lugar com Salazar, que amava o seu País, conhecia a sua História e enfrentava, com denodo, os grandes interesses que sempre se haviam posicionado ao redor das riquezas das nossas antigas províncias ultramarinas.
Diz agora Diogo Freitas do Amaral que vivemos hoje em dia num período de forte retrocesso histórico liderado pelo Governo mais à direita que Portugal teve nos últimos quarenta anos. E é a verdade que todos vamos podendo ver e pior ainda sofrendo. E continua a ter razão quando refere o que logo se apontou como desejado, desde que Pedro Passos Coelho assumiu a liderança do seu partido: o Executivo vai procurando, de forma dissimulada mas persistente, tentar realizar, sem o reconhecer perante os portugueses, uma mudança constitucional sob forma inconstitucional que já apresenta traços caraterísticos de regresso a um passado que julgávamos irrepetível.
Infelizmente, os que tal julgaram fizeram-no erradamente, e até quase desde a manhã de 25 de Abril de 1974. Sempre se me tornou lidimamente claro que uma parte pequena mas importante do nosso tecido social nunca aceitou a Revolução de 25 de Abril. Embora estivessem desejosos de ver o regime da Constituição de 1933 pelas costas. Pretendiam, isso sim, o que agora se está a ver: partidos políticos, tolerados adequadamente e com a devida cautela, de modo a disporem de um suporte aparente de legitimidade. Para lá disso, tudo se ficaria no salve-se quem puder.
Como sempre expliquei com clareza – e como era evidente! –, a mudança referida por Diogo Freitas do Amaral, que tem vindo a ter lugar, só poderia iniciar-se com um Presidente da República oriundo da área da direita política. E os portugueses escolheram com inteira liberdade, embora do pior modo possível. O resultado é o que se vê e que, com probabilidade muito alta, irá continuar. Um dado é certo: terá de manter-se a dita democracia a qualquer preço.
Diz agora Diogo Freitas do Amaral que o Governo ataca a Constituição com leis menores e que vem trocando o modelo social europeu pelo modelo neoliberal americano. E tem toda a razão. Simplesmente, trata-se de um descoberta tardia, porque eu mesmo, logo ao tempo da primeira eleição presidencial, chamei a atenção para a realidade a que se chegou em Portugal, e voltei a repetir esses meus alertas ao tempo das anteriores legislativas.
Há muitos anos que vinha explicando as terríveis consequências da eleição de um concidadão oriundo da direita portuguesa, desde sempre contrária à Revolução de 25 de Abril e à Constituição de 1976. O resultado é o que se vê...
O académico aponta depois o Tribunal Constitucional como uma das principais linhas de defesa face à arremetida desta Maioria-Governo-Presidente, e penso que tem razão. Simplesmente, o Tribunal Constitucional não é uma panela de pressão, que trabalhe rápido, nem consegue parar as tais mil e uma leis menores com que o Governo tem vindo a ultrapassar a Constituição da República.
Junta a este órgão de soberania os políticos no ativo, de todos os quadrantes políticos e de modo especial aos verdadeiros sociais-democratas e democratas cristãos que permanecem, ainda que silenciados ou marginalizados, no PSD e no CDS. Bom, lá que eles existem, é uma verdade, mas o seu conjunto é completamente inorgânico e sem projeção ao nível que se impõe. Para mais com a grande comunicação social no estado em que se encontra, quase completamente integrada na estratégia da atual Maioria-Governo-Presidente.
Por fim, Diogo Freitas do Amaral cita o povo como a terceira linha de resistência à atual avalanche destruidora da estrutura constitucional formalmente em vigor. É a linha mais fraca, dado o histórico desinteresse dos portugueses pela democracia, mas também porque se não dispõe de meios para mudar a situação existente, uma vez que o PS, como sempre nos mostrou nestes quarenta anos, escolhe a direita como seu parceiro estratégico de governação.
A esquerda, naturalmente, por via do histórico posicionamento do PS, não se une, sendo que a reciclagem do PS é difícil e seria sempre inútil. E se uma mudança de liderança no PSD nada adiantará, de facto, o surgimento de um novo partido, embora difícil, poderia ainda ser a melhor solução, desde que suportada na iniciativa de uma plêiade vasta de cidadãos de indiscutível mérito patriótico, moral e político. Mas conseguirá esta plêiade deixar o seu lugar de conforto? É muito pouco provável.
A grande verdade é o que nos diz José Pacheco Pereira: está-se a criar uma sociedade não democrática e autoritária. Uma realidade que só não se deu durante a governação de Aníbal Cavaco Silva porque o Presidente da República era Mário Soares. É um velho e histórico sonho da direita portuguesa, lamentavelmente muito ajudada na sua caminhada para o mesmo pelas constantes cedências do PS e dos seus congéneres por essa Europa fora. Chegámos ao neomarcelismo, agora com partidos inúteis, com cuja intervenção a generalidade dos portugueses não se identifica. Enfim, temos a democracia...