Hélio Bernardo Lopes Escreve diariamente |
Em todo o caso, Mário Soares abordou outros temas, como o da saída de Mário Crespo da SIC, o do caos actualmente reinante na Venezuela, a aparente nova postura política do Presidente Cavaco Silva e o caso da Ucrânia. E é sobre estes seus temas, e sobre o que deles diz, que me determinei a escrever estas minhas notinhas.
Em primeiro lugar, o caso da saída de Mário Crespo da SIC. Até à leitura deste texto de Mário Soares nunca me tinha chegado nenhum sinal de qualquer desaguisado ao redor da atuação daquele jornalista. Soares fala mesmo, de um modo explícito, na decisão de despedir Mário Crespo da SIC.
Não pondo tal hipótese de lado, e atribuindo-lhe uma probabilidade de estar certa que seja compaginável com o prestígio público do ex-Presidente da República, a verdade é que o próprio Mário Crespo, ao que li, até se emocionou, atribuindo grandes virtudes de liberdade jornalística à SIC. Ou seja: continuo a não me dar por clarificado, embora me tenha parecido estranha a saída de Mário Crespo, sendo que as suas intervenções, perante o desastre social que varre o País, poderiam ser ainda mais perigosas para PSD e CDS/PP à beira das eleições europeias. Fico à espera de uma qualquer ajudinha. Mas há um dado que é certo se a explicação de Mário Soares estiver correta: teremos hoje, afinal, o modelo de que Marcelo Caetano falou aos banqueiros do seu tempo e que expôs no seu DEPOIMENTO...
Em segundo lugar, a aparente mudança na postura política do Presidente Cavaco Silva. Essa mudança aparente – é a minha opinião – foi tão súbita quanto o impacto do relatório sobre a pobreza e a miséria que vêm atingindo os portugueses desde que a atual Maioria-Governo-Presidente passou a estar presente. Sendo o Governo quem, no plano formal, governa o País, perante tais resultados, que se sabe valerem por defeito, que outra posição poderia assumir o Presidente Cavaco Silva? Além disso, as referências presidenciais aos salários baixos e ao imperativo dos empresários deverem investir nos seus trabalhadores são meramente circunstanciais, porque os portugueses já se habituaram à completa independência da ação governativa em face das tomadas de posição do Presidente Cavaco Silva. Pois não é verdade que o atual Presidente da República tem sido o suporte essencial da ação política deste Governo? Em terceiro lugar, o caso da Venezuela.
Por mero acaso, estando então em Almeida por razões de Matemática, eu assisti à entrevista de Mário Soares a Hugo Chávez. Foi, aliás, a única dessas entrevistas que vi, dado que sempre pensei não terem grande utilidade. Mas fiquei com a plena sensação de que a imagem facial de Mário Soares, bem como algumas das questões que colocou a Hugo Chávez, apenas terão mostrado estar Soares longe de o ver e considerar como um grande político e um visionário consequente para o seu país.
Claro está que Nicolás Maduro se situa a anos-luz do carisma de Hugo Chávez, mostrando uma atuação política claramente pouco convicta. E, em boa verdade, a Venezuela de hoje está num verdadeiro caos. Mas o que se impõe reconhecer é que, afinal, os direitos derivados de eleições livres de pouco valem. Lá está o que em tempos disse a um conhecido meu, já falecido, que se dizia socialista: a democracia, para quem manda no Mundo, só serve se for a direita a ganhar. Se for corrupto mas tudo privatizar, é excelente e nem se descobrem as contas bancárias no Ocidente. Mas se for sério e honesto e se determinar a nacionalizar, ou o matam, ou fazem-lhe um golpe de Estado. Eu também penso que Nicolás Maduro é um tonto fanático, mas nunca achei que Salvador Allende o fosse. E, no entanto, a verdade é que o derrubaram, seguindo-se tudo o que se viu e sabe. Ainda assim, com um criminoso da estirpe de Pinochet a receber honras militares no seu funeral, para mais com a presença da Ministra da Defesa de um Governo (dito) socialista! Mais: o chefe da secreta da ditadura chilena – a DINA – até já contou que Augusto Pinochet havia criado uma rede internacional narcotraficante, sem que os Estados Unidos, a INTERPOL, ou a banca, chilena ou ocidental, se tivessem apercebido do que quer que fosse. Até visitado foi por Thatcher, em Londres, com Baltasar Garzón, mais tarde e por outras razões, a ser posto na rua por onze anos. Tudo isto explica, por exemplo, o recente resultado nas eleições francesas, com os (ditos) socialistas de Hollande a deitarem mão do seu direitista, Manuel Valls. É caso para que se exclame: eu quér’ápláudirr!!
E, em quarto lugar, o caso da Ucrânia. Devo dizer que não fiquei admirado com a referência de Mário Soares ao facto da América não ser só o Estado economicamente mais rico do mundo – ainda será? –, mas também o mais forte no plano militar.
Tal como sempre defendi, tudo teria tido o mesmo desfecho em Portugal, no caso da Cimeira das Lajes, se no lugar de Durão Barroso estivesse alguém do PS. Tudo está em ser o mais forte. De resto, já assim aconteceu em Nuremberga, com o julgamento do grande-almirante Dönitz, ou no Tribunal de Tóquio de Crimes de Guerra, com a exigência, na fase investigatória, de que os réus dissessem que o imperador e o príncipe nada tinham que ver com os mil e um crimes praticados pelos militares japoneses. Tudo está em se sair vencedor ou dispor da força.
Mas onde Mário Soares falhou foi ao referir que os Estados Unidos têm razão na sua posição em face do caso da Crimeia. Não pensam assim Helmutt Schmidt, Helmutt Kholl, Gherard Schroder ou Gorbachev, a que se pode juntar Miguel Sousa Tavares e eu mesmo. Talvez o próprio Obama também não pensa como diz, mas a verdade é que se vai tornando imperativo tentar eleger Hillary Clinton. E será que Obama e Francisco I falaram sobre a violação de Direitos Humanos em Guantánamo? Para quando a promessa de Barack Obama, nunca até hoje cumprida?
Enfim, um texto com muita coisa tratada, mas onde se nota o modo fácil de bater em quem é fraco e de apoiar quem tem a força. Para uma personalidade com a experiência política de Mário Soares, faltaram ideias para resolver os problemas que abordou.