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Hélio Bernardo Lopes Escreve diariamente |
Como pude já escrever, continuo a pensar que a Revolução de 25 de Abril só pôde ter lugar porque o Presidente do Conselho consentiu em erros com consequências muito graves. O principal erro de Marcelo Caetano, sobretudo como Presidente da Comissão Central da Ação Nacional Popular, foi a escolha de Américo Tomás para um terceiro mandato. Como já pensava nesse tempo, a escolha lógica era a de António de Spínola. E continuo convicto de que uma tal escolha teria evitado o nascimento do Movimento das Forças Armadas e por todas as razões. Desde logo, nunca teria surgido aquele livro sem nexo, que foi, PORTUGAL E O FUTURO.
A verdade é que a Revolução de Abril triunfou, logo nos surgindo a evidência de grandes divisões no ambiente militar, mas por igual nas forças políticas civis que surgiram ou então nasceram. Como se torna evidente, o Movimento das Forças Armadas, mesmo legitimado pelo facto de pôr fim a um regime que se deixou derrubar, não podia manter tudo como estava, deitando-se apenas a operar umas eleições – e como, quando e para que órgãos? – e devolvendo o poder aos novos eleitos.
As forças militares triunfantes, natural e legitimamente, procuraram ir ao encontro da vontade muito geral dos portugueses, havendo que mudar muito do que vinha de trás, ainda que mais tarde muitas dessas mudanças viessem a ser reajustadas, digamos assim.
Apenas a título de exemplo, recorde-se que Spínola começou logo por nomear para substituir Silva Pais na Direção-Geral de Segurança, Rogério Morais Coelho Dias, o que andou ali por entre baias, entre o sim e o não. Dentro do que sou capaz de entender, ou se tratava de uma revolução, como se deu – podia ter seguido um outro caminho –, ou de uma mudança da estrutura formal, mas com tudo a ficar quase na mesma.
Entre a manhã de Abril e a aprovação da Constituição de 1976, no meio, naturalmente, da turbulência criada, acima de tudo, por gente oriunda da área derrotada, foi possível operar o recenseamento eleitoral, estruturar os partidos políticos, e criar e aprovar uma Constituição para Portugal. Além do mais, e na sequência de ideia das forças políticas – leia-se a entrevista de Sanches Osório ao i –, o Conselho da Revolução manter-se-ia até à primeira revisão constitucional, o que realmente veio a ter lugar, embora os partidos apoiantes da ideia tenham vindo a mudar de ponto de vista, guerreando Eanes e Conselho da Revolução de um modo desabrido.
A principal conquista da Constituição de 1976 foi a ampla consagração das Liberdades, Direitos e Garantias. Mas houve o cuidado de perceber que tais direitos fundamentais têm que ser mais que mero texto constitucional, necessitando da respetiva materialização. Assim surgiram os partidos políticos, mas igualmente o Serviço Nacional de Saúde, a Educação Pública e a Segurança Social Pública. Para um país pequeno, como se dá com Portugal, tudo isto seria sempre muito facilmente materializável. A verdade, porém, é que existiu sempre, ao nível da atual direita política, quem nunca tivesse visto tais estruturas públicas com bons olhos. Estão hoje a ser destruídas pela atual Maioria-Governo-Presidente, embora se note um expectável silêncio do PS e uma sua grande indefinição.
Do mesmo modo, operaram-se mudanças profundas no Sistema de Justiça. Infelizmente, cedo se começou a dar conta de um deficiente funcionamento do mesmo. Criou raízes a quase plena ausência de condenados de colarinho branco, ao mesmo tempo que se foi percecionando o crescimento exponencial da corrupção, hoje já reconhecido mesmo no plano internacional.
Com a entrada na Europa, sem uma consulta aos portugueses, Portugal tornou-se num terreno facilmente acessível a todo o tipo de criminalidade, mormente a organizada. A sua atuação e o seu crescimento acabaram por potenciar, ainda mais, a corrupção. A tudo isto somou-se a completa ineficácia da legislação publicada, dos meios postos à disposição dos investigadores e de tudo o mais que vem contribuindo para a ineficácia da Justiça naqueles casos onde seria de esperar um resultado claro e inequívoco.
Na peugada das críticas ao regime constitucional da II República e ao seu sistema político, o poder passou a ser delegado em cidadãos eleitos no âmbito de partidos políticos. Ao nível formal, tudo tem corrido do modo mais excelso, mas a verdade é que os portugueses deixaram de acreditar no que quer que seja.
E trata-se de uma atitude muito correta, porque se o atual poder merece a crítica generalizada dos portugueses, a verdade é que a alternativa que se perfila, para lá da sua falta de clareza, não concita confiança. Criou-se um pensamento político uniforme. E aí está já a aflição perante o desinteresse geral pela política, com o surgimento da ideia antidemocrática do voto obrigatório. É, indubitavelmente, a confissão do falhanço político da III República.
Infelizmente, a falta de interesse dos portugueses pela democracia, de parceria com velhos tiques que se mantêm, tem feito – continua a fazer – com que não surjam outras alternativas capazes e realmente diferentes. Uma realidade muito hipertrofiada pelo modo como se tem vindo a perder soberania sem que, tal como estabelece a Constituição da República, os portugueses tenham alguma vez sido consultados. Chegou-se ao ponto de ter de reconhecer que se errou com a escolha do euro, que se pode estar a ser cilindrado com a manutenção do mesmo, mas que não há nada a fazer! Bom, caro leitor, nem com a defesa do Ultramar Português se chegou a um tal despautério!!
A verdade é que boa parte da responsabilidade de tudo isto reside nos cidadãos, porque continuam, como sempre se deu, a pautar a sua conduta pela imitação do que se vê lá por fora, pelas modas do tempo. Tal como muito bem reconheceu há dias Amadeu Garcia dos Santos, os portugueses não planeiam, não operam estratégias para futuro, antes navegando sempre à vista.
Em síntese, e como muitas vezes pude já escrever, no tempo da II República, cada um que dela discordasse, e todos os outros, sabia que o dia seguinte não seria pior, talvez viesse mesmo a ser melhor, como se pensou em 25 de Abril. Hoje, lamentavelmente, cada um de nós, salvo a tal minoria de milionários, sabe que o dia de amanhã será pior.
Quarenta anos depois, o que sobreveio foi o desemprego, a pobreza, a miséria, a emigração, com uma Maioria-Governo-Presidente já muito raramente apoiada, mas sem esperança na alternativa PS/PSD que se perfila. Objetivamente, Portugal tem vindo a ser vendido a pataco. O que Salazar recusou à Sociedade das Nações, os políticos destes anos aceitaram da Tróyka.
Mesmo por fim, o nefando papel da grande comunicação social, que se tornou, objetivamente, uma aliada dos grandes interesses, hoje internos e estrangeiros, ajudando a pôr em causa os grandes benefícios que a Revolução de 25 de Abril e a Constituição da República trouxeram aos portugueses. Uma realidade que começou a desenvolver-se a partir do final do primeiro Governo de Guterres, mas que recebeu um fortíssimo impulso nos que se seguiram, muito em particular no atual.
E como reagem hoje os portugueses? Bom, deram a vitória a Salazar, como O MAIOR PORTUGUÊS DE SEMPRE, e gritam pelos Capitães de Abril, que se viram atingidos pelo ridículo receio da nomenklatura instalada. Depois de uma manhã que foi de esperança para tantos, tudo se transformou na desilusão dormente que hoje atinge a sociedade portuguesa de um modo muito geral. Infelizmente, os portugueses deram-se conta de que um futuro capaz não chegará.