Castelos no ar

Hélio Bernardo Lopes
Escreve diariamente
Como pude ontem escrever, o meu neto fez doze anos. Está um matulão e contemplou-me, à chegada, com esta magnífica surpresa: quatro cinco e outros tantos quatro. E nestes, se tivesse seguido os meus conselhos, bem podia ter ido buscar mais dois cinco. Foi, portanto, uma noite aniversariante duplamente feliz. O problema, como se pôde falar durante o jantar, são os castelos no ar.

Afinal, veio agora a saber-se que a tal garantia de que os contribuintes não voltariam a pagar as dívidas dos bancos não está completamente assegurada ao nível da União Europeia. Confesso que tive dificuldade em acreditar que um tal êxito tivesse tido lugar, porque se com o Estado Social a realidade é a que se vai vendo, se para a banca nunca faltou dinheiro, apenas para os cidadãos, custaria sempre acreditar que fosse agora que estas coisas iriam mudar. E não mudaram assim como se tinha anunciado. E logo o meu neto se fartou de rir, porque sempre lhe ensinei a importância de evitar a construção de castelos no ar.

A este propósito achei espantosas as considerações de João Proença ao redor da entrevista de ontem do Primeiro-Ministro. Uma entrevista que não irei comentar nunca, dado ser elementar que os portugueses não necessitam já de um qualquer comentário meu para que possam separar o trigo do joio.

Interessante, até espetacular, foi ouvir João Proença apontar, mais uma vez, os brutais cortes nos salários e nas pensões, que deviam ser temporários e passam a definitivos, confirmados esta noite pelo Primeiro-Ministro. De molde que me fica esta dúvida: será que João Proença e o seu PS alguma vez imaginaram que a realidade não viria a ser esta? E está o PS em condições de garantir que inverterá esta realidade, desde sempre consabida? Continuamos a aguardar uma resposta clarificadora do PS.

Mas eu ainda encontrei mais graça nestas palavras de João Proença: é extremamente grave que as atuais pensões sejam alvo de cortes no futuro, acusando o discurso de Passos Coelho, durante a entrevista à SIC, de ter sido marcado por preocupações eleitoralistas. Mas será que Proença acredita, afinal, que o PS nunca mais voltará ao poder? Porque se não imagina, é porque o PS, ao que parece, também irá manter os cortes no futuro! Ao salientar que da entrevista do Primeiro-Ministro resulta uma notícia extremamente grave para todos os pensionistas, porque as suas pensões atuais vão ser mexidas no futuro, tal só nos indica que, mesmo que o PS vá para o poder, tudo se manterá. Ou seja: a direita faz, o PS cumpre.

Ou não tenho razão? Claro que tenho! E então João Proença mostra ter agora descoberto esta realidade: as medidas que o Governo se tinha comprometido com a Tróyka, relativamente a introduzir fatores económicos e demográficos, também vão abranger as atuais pensões. Como disse ontem à noite Augusto Santos Silva – só vi o seu comentário no dia de hoje, e graças ao meu netinho querido –, toda esta confusão deverá ser intencional, mas não só por parte da atual Maioria de Governo, também da oposição...

Depois, João Proença referiu que não há ideia sobre o futuro do País, quanto ao crescimento e emprego, sobre a situação dramática de famílias, o empobrecimento e a exclusão que atinge cada vez mais portugueses, com o Governo a só se preocupar com a dívida. Mas isso, que é inteiramente verdadeiro, aplica-se por igual ao PS: que projeto para Portugal e o que pode garantir aos portugueses sobre os atropelos do atual Governo?

Finalmente, o antigo líder da UGT defendeu que é legítimo que os partidos se apresentem para ganhar, mas não é legítimo que o Primeiro-Ministro desvalorize os resultados das eleições europeias e diga que as eleições europeias não servem de teste ao Governo. Mas será que a ação política deste Governo ainda precisa de ser testada? E se o PS perdesse? Seria um teste de apoio ao Governo, ou de reprovação à política de zigue-zague do PS? E se o PCP subir razoavelmente? É também um bom teste de reprovação ao posicionamento do PS, que nem sequer é capaz de olhar para o que eu defendo há tanto e que Freitas do Amaral também já defende? Palavras repletas de ridículo político. Confrangedor!

Não será preferível que Proença e o PS apontem antes a sua atenção para as palavras de João Cravinho na sua entrevista de ontem à Renascença, e a cuja luz a má preparação ou a hesitação em agir de António José Seguro poderão fazer dele o coveiro do PS? E sublinhou: a Tróyka está a fazer tudo para o meter no bolso. E não é tudo isto verdade? E qual é a resposta do PS?

Mas João Cravinho foi ainda mais preciso, ao salientar que, das duas, uma: ou Seguro chega ao Governo com um mandato popular preciso sobre determinadas coisas que não são negociáveis, ou então o Primeiro-Ministro do PS é metido no bolso ao pequeno-almoço por qualquer Tróyka. E não é isto uma lídima evidência? Pois claro que é! E então? O que tem Seguro para nos comunicar, e também à Tróyka, que é inegociável? Por fim, Cravinho é claro, como qualquer um de nós sempre percebeu: a questão fundamental é perceber que o PS tem que ser o garante do bem-estar do seu povo. Porque se Seguro é o coveiro, por má preparação, por hesitação, não deixará de ser coveiro do PS, embora com a melhor das intenções. Bom, caro leitor, há muito que expliquei isto mesmo a conhecidos meus, mas que teimam em mostrar algumas dúvidas. É claro que o enterro do PS começou a desenvolver-se logo após a Revolução de 25 de Abril, com o PS a conseguir apenas trinta e seis por cento na Constituinte e trinta e quatro no I Governo de Soares.

O PS nunca conseguiu ter uma maioria absoluta razoavelmente duradoura e chegou a alcançar apenas vinte por cento, com o impensável Almeida Santos como seu líder. Com as constantes cedências à direita dos interesses, sempre incapaz de perceber o que eu mesmo percebi há muito e há dias Diogo Freitas do Amaral também reconheceu, o PS está a correr o grave risco de poder vir a tornar-se em chão que deu uvas. Não se pode passar quatro décadas a reivindicar o dito socialismo democrático, mas cedendo sempre às reivindicações dos que sempre o odiaram e procuraram destruí-lo. Enfim, vamos esperar um mesito e pouco.

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