A entrevista de Mário Soares

Hélio Bernardo Lopes
Escreve diariammente
Mário Soares concede hoje uma entrevista ao i, mas que, ao contrário de quase todas as mais recentes, tem um reduzidíssimo interesse. De facto, as entrevistas de Pedro Feytor Pinto, Amadeu Garcia dos Santos, Rodrigo de Sousa e Castro e José Eduardo Sanches Osório mostraram-se muitíssimo mais interessantes e, sobretudo, úteis. Até pela sua raridade e por esclarecerem aspetos quase nunca expostos com a garantia e a firmeza de quem os viveu.

O entrevistador começa logo por se pautar por alguma imprecisão, ao referir que Mário Soares é dos poucos que sabe o que quer realmente para o país – uma social-democracia à maneira europeia. Ora, isto não corresponde à realidade e por uma dupla razão. Por um lado, porque a atual Maioria-Governo-Presidente também sabe muito bem o que quer: um sistema político neoliberal, com um Estado mínimo e um Estado Social quase nulo. Por outro lado, é essencial não esquecer a recente entrevista de Domingos Abrantes, por onde nos explicou o acordo estabelecido em Paris, uns cinco dias antes de 25 de Abril de 1974, entre Soares e Cunhal, com a presença das respetivas equipas, mas em que tudo foi logo deitado para o cesto das velharias por parte do PS, mal triunfou a Revolução de Abril.

Depois, Mário Soares conta-nos um acontecimento, de que diz ter visto documentos, sobre uma possível intervenção de fuzileiros navais dos Estados Unidos, com a finalidade de atacar os comunistas portugueses, usando o território espanhol, mas que Franco recusou. Bom, eu nunca vi esses documentos, mas desconheço o seu valor probatório e de autenticidade. À partida, tal realidade parece-me ilógica, porque se os fuzileiros americanos queriam vir aqui atacar os comunistas e Franco os impediu de o fazerem por território espanhol, podiam tê-lo feito pela costa portuguesa. De resto, é minha convicção que os documentos em causa não deverão passar de notas de memória de um qualquer espanhol ou norte-americano. Valem pouco, talvez mesmo nada.

Mas Soares é muito claro e verdadeiro ao dizer que, ao contrário do que se pensa, os soviéticos nunca quiseram que lhes fosse favorável uma vitória dos comunistas portugueses, porque lhes deitava abaixo a détente em que estavam empenhados. Ora, o mesmo se deu com os comunistas portugueses, que nunca pretenderam tomar aqui o poder.

Tal como pude já salientar, é o próprio Adelino da Palma Carlos que conta a Helena Sanches Osório, em entrevista, que Cunhal lhe pediu que não deixasse o Governo, porque o poder poderia cair na rua. E, tal como há dias nos explicou Rodrigo de Sousa e Castro, o PREC foi obra, isso sim, da direita.

Depois, surgem as dúvidas sem lógica. Sendo verdade que os ataques da esquerda a Carlucci foram inúteis, a verdade é que ele era já da CIA quando para aqui veio. De resto, Soares tem de saber que qualquer norte-americano tem de colaborar com a CIA se tal lhe for solicitado. Vem nos livros e vê-se nos filmes. E se é verdade que quem fez Spínola Presidente da República foram os militares de Abril, também é verdade que tentou um golpe militar suportado na extrema-direita, civil e militar. Um dado sobre que vale a pena ler a entrevista de Rodrigo de Sousa e Castro. E se muitos pensavam que os comunistas iam ganhar, a grande verdade é que o direito à asneira é livre. Um dado é certo: um verdadeiro militar não foge do seu país, como se deu com Spínola, mas já não com Carlos Galvão de Melo, entre tantos outros.

Claro que o populismo venceu na Europa, destruindo os Estados em favor dos mercados, acreditando que tudo isso vai mudar em Maio, na Europa e em Portugal. Bom, caro leitor, cá estaremos para ver. Mas a grande verdade é a que João Cravinho ontem referiu: Seguro arrisca-se a ser o coveiro do PS, seja por hesitação ou por impreparação.

Mas Soares tem razão com a situação francesa, que é muito difícil, salientando que tem alguma esperança do novo governo de Manuel Valls! Simplesmente, Manuel Valls anunciou hoje o congelamento das prestações sociais e a manutenção do congelamento dos salários dos funcionários públicos no contexto de poupanças de 50 mil milhões de euros que quer fazer na despesa pública daqui até 2017. E, tal como o nosso Primeiro-Ministro, também lá referiu que tem vontade de ir mais longe.

Os reais socialistas franceses já dizem que não foram eleitos para organizar a perda do poder de compra dos reformados, dos funcionários e dos assalariados que beneficiam de prestações sociais. E não estão com meias medidas, logo salientando que Manuel Valls faz de solicitador da Comissão Europeia. Por cá, Mário Soares mostra-se muito esperançado na ação de Valls...

Em contrapartida, sobre o futuro próximo de Portugal apenas diz que veremos o que se passa nas próximas eleições para o Parlamento Europeu. E, perante a realidade que lhe foi apontada de que o PS diz que não retirar a austeridade logo que chegue ao poder, refugia-se nas palavras do Papa Francisco. Como se estas tenham mudado a desgraça que vai pelo Mundo! De resto, ontem mesmo o Conselho da Europa salientou que os Direitos Humanos, a Democracia e o Estado de Direito atravessam, na Europa, uma crise sem precedentes desde o fim da Guerra Fria.

Por fim, mostra-se crente de que o PS não se coligará com o PSD, que é uma realidade para mim diametralmente oposta. Embora logo diga que não tem certezas. E tem razão, porque o PS, logo desde o primeiro dia da Revolução de Abril, foi quem abriu as portas ao regresso da direita, até ao atual descalabro.

Aqui está o que terá sempre de considerar-se uma entrevista indubitavelmente inútil, para mais com um leque muito vasto de tantos outras repletas de interesse, que o i tem dado aos portugueses. E sem que Mário Soares seja claro no que mais interessa aos portugueses, e sem nos fornecer as principais linhas que devem enformar o desenvolvimento futuro, do País e do Mundo. Foi uma oportunidade que se gorou.

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