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| Hélio Bernardo Lopes Escreve diariammente |
O entrevistador começa logo por se pautar por alguma imprecisão, ao referir que Mário Soares é dos poucos que sabe o que quer realmente para o país – uma social-democracia à maneira europeia. Ora, isto não corresponde à realidade e por uma dupla razão. Por um lado, porque a atual Maioria-Governo-Presidente também sabe muito bem o que quer: um sistema político neoliberal, com um Estado mínimo e um Estado Social quase nulo. Por outro lado, é essencial não esquecer a recente entrevista de Domingos Abrantes, por onde nos explicou o acordo estabelecido em Paris, uns cinco dias antes de 25 de Abril de 1974, entre Soares e Cunhal, com a presença das respetivas equipas, mas em que tudo foi logo deitado para o cesto das velharias por parte do PS, mal triunfou a Revolução de Abril.
Depois, Mário Soares conta-nos um acontecimento, de que diz ter visto documentos, sobre uma possível intervenção de fuzileiros navais dos Estados Unidos, com a finalidade de atacar os comunistas portugueses, usando o território espanhol, mas que Franco recusou. Bom, eu nunca vi esses documentos, mas desconheço o seu valor probatório e de autenticidade. À partida, tal realidade parece-me ilógica, porque se os fuzileiros americanos queriam vir aqui atacar os comunistas e Franco os impediu de o fazerem por território espanhol, podiam tê-lo feito pela costa portuguesa. De resto, é minha convicção que os documentos em causa não deverão passar de notas de memória de um qualquer espanhol ou norte-americano. Valem pouco, talvez mesmo nada.
Mas Soares é muito claro e verdadeiro ao dizer que, ao contrário do que se pensa, os soviéticos nunca quiseram que lhes fosse favorável uma vitória dos comunistas portugueses, porque lhes deitava abaixo a détente em que estavam empenhados. Ora, o mesmo se deu com os comunistas portugueses, que nunca pretenderam tomar aqui o poder.
Tal como pude já salientar, é o próprio Adelino da Palma Carlos que conta a Helena Sanches Osório, em entrevista, que Cunhal lhe pediu que não deixasse o Governo, porque o poder poderia cair na rua. E, tal como há dias nos explicou Rodrigo de Sousa e Castro, o PREC foi obra, isso sim, da direita.
Depois, surgem as dúvidas sem lógica. Sendo verdade que os ataques da esquerda a Carlucci foram inúteis, a verdade é que ele era já da CIA quando para aqui veio. De resto, Soares tem de saber que qualquer norte-americano tem de colaborar com a CIA se tal lhe for solicitado. Vem nos livros e vê-se nos filmes. E se é verdade que quem fez Spínola Presidente da República foram os militares de Abril, também é verdade que tentou um golpe militar suportado na extrema-direita, civil e militar. Um dado sobre que vale a pena ler a entrevista de Rodrigo de Sousa e Castro. E se muitos pensavam que os comunistas iam ganhar, a grande verdade é que o direito à asneira é livre. Um dado é certo: um verdadeiro militar não foge do seu país, como se deu com Spínola, mas já não com Carlos Galvão de Melo, entre tantos outros.
Claro que o populismo venceu na Europa, destruindo os Estados em favor dos mercados, acreditando que tudo isso vai mudar em Maio, na Europa e em Portugal. Bom, caro leitor, cá estaremos para ver. Mas a grande verdade é a que João Cravinho ontem referiu: Seguro arrisca-se a ser o coveiro do PS, seja por hesitação ou por impreparação.
Mas Soares tem razão com a situação francesa, que é muito difícil, salientando que tem alguma esperança do novo governo de Manuel Valls! Simplesmente, Manuel Valls anunciou hoje o congelamento das prestações sociais e a manutenção do congelamento dos salários dos funcionários públicos no contexto de poupanças de 50 mil milhões de euros que quer fazer na despesa pública daqui até 2017. E, tal como o nosso Primeiro-Ministro, também lá referiu que tem vontade de ir mais longe.
Os reais socialistas franceses já dizem que não foram eleitos para organizar a perda do poder de compra dos reformados, dos funcionários e dos assalariados que beneficiam de prestações sociais. E não estão com meias medidas, logo salientando que Manuel Valls faz de solicitador da Comissão Europeia. Por cá, Mário Soares mostra-se muito esperançado na ação de Valls...
Em contrapartida, sobre o futuro próximo de Portugal apenas diz que veremos o que se passa nas próximas eleições para o Parlamento Europeu. E, perante a realidade que lhe foi apontada de que o PS diz que não retirar a austeridade logo que chegue ao poder, refugia-se nas palavras do Papa Francisco. Como se estas tenham mudado a desgraça que vai pelo Mundo! De resto, ontem mesmo o Conselho da Europa salientou que os Direitos Humanos, a Democracia e o Estado de Direito atravessam, na Europa, uma crise sem precedentes desde o fim da Guerra Fria.
Por fim, mostra-se crente de que o PS não se coligará com o PSD, que é uma realidade para mim diametralmente oposta. Embora logo diga que não tem certezas. E tem razão, porque o PS, logo desde o primeiro dia da Revolução de Abril, foi quem abriu as portas ao regresso da direita, até ao atual descalabro.
Aqui está o que terá sempre de considerar-se uma entrevista indubitavelmente inútil, para mais com um leque muito vasto de tantos outras repletas de interesse, que o i tem dado aos portugueses. E sem que Mário Soares seja claro no que mais interessa aos portugueses, e sem nos fornecer as principais linhas que devem enformar o desenvolvimento futuro, do País e do Mundo. Foi uma oportunidade que se gorou.
