O mais recente caso da prescrição de um processo, que envolvia uma figura cimeira da nossa banca, não contendo já um infinitésimo de novidade na História da III República Portuguesa, gerou, junto da enorme maioria dos portugueses, uma reação íntima de revolta, ajudando ao descrédito da nossa vida institucional. Usando uma engraçada expressão de António Marinho e Pinto, há uns três dias atrás, não é conjeturável que uma tal realidade pudesse ter lugar com um vulgar pilha galinhas.
No mesmo programa em que o antigo Bastonário da Ordem dos Advogados usou esta expressão, o seu colega de painel, Rui Rangel, juiz desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, referiu a oportunidade do Conselho Superior da Magistratura analisar e dar público e cabal esclarecimento sobre o que se passou no âmbito da passagem do processo em causa pela área dos Tribunais. Mas acrescentou, algo deslocadamente, que a mesma entidade já não tem poder para realizar um trabalho similar ao nível do que possa ter-se passado no Banco de Portugal. Ou da CMVM, digo eu.
Acontece, porém, que quanto pôde já ouvir-se e saber-se, e por vias as mais diversas, com mais ou menos realidade ou deformação, justifica que o Ministério Público opere uma investigação a tudo o que envolveu o caso desta prescrição. E se é verdade que o Conselho Superior da Magistratura não pode averiguar o que se passou com este caso no Banco de Portugal, o Ministério Público tem de possuir esse poder. E também o Provedor de Justiça, porventura, poderá apontar a importância de uma tal investigação a todo este caso. É, como se sabe, o que teria lugar nos Estados onde as instituições sabem ser seu dever prestar contas aos cidadãos. Veremos, pois, o que irá dar-se, sendo absolutamente certo que o inquérito parlamentar já não goza de um infinitésimo de eficácia e de credibilidade.
Ontem mesmo, o Primeiro-Ministro salientou pretender o apuramento de responsabilidades por este caso específico da prescrição do processo de Jorge Jardim Gonçalves. Uma posição a que o PS deu o seu aval, embora tudo não passe de palavras, uma vez que os inquéritos parlamentares já há muito perderam eficácia e credibilidade.
Acontece que esse acordo se estende à possibilidade de operar alterações legislativas no âmbito da Assembleia da República, a fim de que, dizem, se não voltem a repetir casos como o da prescrição do processo de Jorge Jardim Gonçalves e dos que já por aí vão sendo brandidos na grande comunicação social.
Tenho para mim que se a resolução dos nossos problemas tivesse a dificuldade que exige o evitar das prescrições, Portugal estaria à beira de viver numa espécie de paraíso. Resolver a questão das prescrições é coisa absolutamente elementar.
Em primeiro lugar, terá sempre de admitir-se que essa solução existe e é passível de ser atingida por mecanismos técnicos. Modificações diversas, de natureza técnica, desde que bem feitas e com boa fé, sempre conduzirão a evitar a taluda das prescrições.
E, em segundo lugar, admitindo que o ponto anterior está correto, não virá mal para ninguém se o tempo para se operar a prescrição for alargado: quinze anos, em minha opinião.
António Marinho e Pinto, por exemplo, salientou logo que alargar os prazos de prescrição seria um horror, porque o bom nome das pessoas andaria nas bocas da sociedade por um tempo vasto e quase infindo. Simplesmente, de duas, uma: ou o problema não tem solução técnica, ou se a tem também não fará mal alargar o prazo, por exemplo, para os tais meus quinze anos. Eles seriam uma referência dissuasora, digamos assim, porque a solução técnica adotada seria suficiente. Deixaria os arguidos e os seus advogados, ou outros, sem a porta de saída da prescrição. Um pouco como o papel das armas nucleares.
Estamos agora todos ansiosamente à espera de ver no que se irá saldar o esclarecimento do que se passou com esta mais recente prescrição. Um dado, porém, é certo: o caso Ballets Rose nunca prescreveu, tendo havido condenados em barda. E nem Agostinho Barbieri Cardoso conseguiu evitar que as coisas andassem para a frente no interior do Sistema de Justiça, como também se mostraram infrutíferos os avisos de certo conselheiro ao inspetor – na reforma antiga, claro está – que conduziu o caso. Quem tenha visto a série televisiva, com guião de Francisco Moita Flores, terá ficado a conhecer uma excelente imagem do que neste caso teve lugar.
Hélio Bernardo Lopes
Tempo de dar exemplo
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Opinião
/ Foi publicado
sábado, 22 de março de 2014
Notícias do Nordeste