Pois é verdade, meu caro leitor, a proposta política do PS para o tempo pós-Tróyka consegue ser ainda menos densa que a borracha: no meio da chegada da onda eleitoral, não chegou a descer abaixo da superfície da água do oceano da nossa política.
Sabe-se agora o que há muito se vinha percebendo: eles irão dar continuidade à atual desgraça que vem atingindo a esmagadora maioria dos portugueses. Pelo menos, no dia seguinte à sua chegada ao poder – se tal vier a dar-se –, naturalmente acompanhados do...PSD. De facto, desde esse dia que a receita, com inúteis cambiantes, será praticamente a mesma.
Compreende-se agora bem a cabal ausência de clareza da liderança do PS, seja esta ou qualquer outra. Uma clareza por que tanto eu clamei, mormente ao redor do Estado Social e da reposição dos valores das pensões dos abrangidos pelo regime contributivo.
Recordo agora aquela troca forte de impressões, em casa de Mário Soares, entre este e José Sócrates, ainda Primeiro-Ministro. E recordo, por igual, o constante apoio do principal fundador do PS a Pedro Passos Coelho, logo depois de se ter deslocado à sede do PSD, na companhia de Leonor Beleza e de Alexandre Soares dos Santos, usando aquela inacreditável forma que foi a de garantir que Pedro Passos Coelho era pessoa simpática e com quem se podia dialogar.
Tudo isto teve lugar em simultâneo com a proposta do líder do PSD, no sentido de mudar cabalmente a Constituição da República, levando-a a aceitar um modelo neoliberal e onde o trabalho deixasse de ter valor, de parceria com a privatização da riqueza do País por toda a forma e feitio. Só muito mais tarde Soares nos veio dizer que havia errado...
Pelo meio desta onda de grande comprimento de critica-insinua, foi até possível assistir a uma entrevista de Maria de Belém no Jornal das Nove, em que Mário Crespo lhe colocou esta pergunta muito direta: o PS está em condições de garantir aos portugueses que, no caso de ser Governo, reporá as reformas retiradas aos portugueses abrangidos pelo regime contributivo? Embora de um modo pouco firme, titubeante, a presidente do PS lá respondeu que tal era da mais inteira justiça, embora se tenha logo percebido que tais palavras nada garantiam em relação ao conteúdo da pergunta formulada pelo entrevistador.
E o tempo passou, até nos surgir há dias Óscar Gaspar, já com o preto no branco. Instado António José Seguro a comentar, refugiou-se num sorriso bonito mas muito revelador. Ou seja: o PS irá manter tudo como até aqui. Argumenta-se agora como José Sócrates, há uns dois meses, disse numa sua crónica dominical: destruir é fácil, mas reconstruir é muito mais complicado.
Isto mesmo voltou a ser repetido nesta mais recente quinta-feira, também no Jornal das Nove, mas por Eduardo Ferro Rodrigues: destruir pode fazer-se num instante, mas reconstruir leva muito mais tempo. Eu próprio, ao tempo do PEC IV, pude escrever que era isto mesmo que o PS pretendia: dar lugar ao PSD, a fim de que este pusesse um fim no Estado Social, voltando depois como um vítima e um apoiante dos portugueses, mas com o argumento que agora começou a ser publicamente explicitado pelos atuais dirigentes do PS.
É muito interessante garantir-se que nada será prometido que não possa ser feito, mas o que os portugueses desejam é a reposição do Estado Social, tal como existia e sempre os dirigentes do PS disseram ser uma conquista sua. O próprio José Sócrates apresentou-se às eleições com essa garantia, mas vindo a perdê-las para o PSD, com o importante apoio de Mário Soares a Pedro Passos Coelho.
Ao mesmo tempo, e em completa consonância com esta desistência ideológica dos dirigentes do PS, aí nos surgiram Vasco Lourenço e Otelo a explicar que agora só o povo poderá fazer uma revolução!! É, objetivamente, o momento dos leitores se deitarem a deixar sair uma sonora gargalhada.
Mas não fui só eu que tenho pedido, reiteradamente, clareza ao PS. Na Quadratura do Círculo, tal como pôde ver-se nesta sua última edição, lá voltou José Pacheco Pereira a apontar a realidade: o PS não se demarca do PSD, sendo uma mesma realidade. E por isso Angela Merkel se deu por satisfeita com a mais recente encenação do encontro a dois em São Bento.
Algo inacreditavelmente, PSD, PS e CDS/PP continuam a esgrimir soluções para Portugal no âmbito da famigerada União Europeia. Uma estrutura, tal como o euro, para que os portugueses foram atirados pela mão política do PS e sempre sem a natural consulta aos portugueses. Tudo, pois, nas costas destes e com uma cabalíssima manipulação da dita democracia que se voltou a construir em Portugal. Uma desgraça. Um tema sobre o qual vale a pena ler a entrevista do coronal Rodrigo de Sousa e Castro e sobre a qual também irei pronunciar-me.
Até Manuela Ferreira Leite já reconhece o empobrecimento do País e a destruição do Estado Social, salientando que Portugal é hoje um país sem jovens e sem futuro. Se eu tivesse uma nota de cem euros por cada vez que já apontei tais realidades, ao menos desde a noite da primeira vitória presidencial de Aníbal Cavaco Silva, bom, seria um dos nossos maiores milionários.
Fomos metidos numa terrível camisa de centenas de varas, sem nada nos ser perguntado, em geral por políticos muito fracos, sem ideias próprias e que se limitaram – e limitam – a copiar o que vêem nos que sempre alumiaram duas vezes, e temos um povo muito pouco interessado na democracia, como há dias lá teve que reconhecer Amadeu Garcia dos Santos. Um desgraçado futuro negro...
Hélio Bernardo Lopes
Menos denso que a borracha
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Opinião
/ Foi publicado
sábado, 22 de março de 2014
Notícias do Nordeste