Ecos

Hélio Bernardo Lopes
Na sequência das NOTAS de Joaquim Jorge, vi escapulirem-se-me os ecos que agora dou a conhecer, muito cimentados nos mui excecionais textos, SOCIALISMO DE MÃO ESTENDIDA e UM PAÍS MAIS POBRE, SEM CONFIANÇA NO GOVERNO E COM MAIS CORRUPÇÃO, respetivamente, de Baptista-Bastos e Rosa Monteiro.

Também eu, e com uma frequência que vem aumentando, venho perdendo o gosto pela temática política, mormente ao redor da fantástica pantomina em que se tornou a intervenção da atual Maioria. Infelizmente, com a dolorosa, mas esperada, tolerância do Presidente Cavaco Silva. Simplesmente, eu nunca duvidei de que esta seria a realidade.

Como pude já escrever, apercebi-me dos primeiros contornos deste rumo aí pelo meio da década de oitenta do passado século e por via de conversas com conhecidos que eram do patamar leigo mais elevado do ambiente católico.

Nunca duvidei, por um só momento, que com este Governo, para mais apoiado pelo Presidente Cavaco Silva – podia ser um outro, desde que oriundo da área conservadora – de um modo quase sem limites – sabia-se que iria ser assim –, não nos faltariam medidas sem nexo e sem base humanista mínima. Destruir, por completo, a estrutura do Estado Social era, e continua a ser, o objetivo central dos partidos da atual Maioria. Ninguém pode hoje dizer que desconhecia, porque tal foi dito e escrito à saciedade, exceto no curto período da campanha eleitoral.

É, pois, expectável que continuem a ter lugar novos cortes em 2015, a que se seguirão, naturalmente, os dos anos seguintes. E lá estão as tão verdadeiras palavras do general Amadeu Garcia dos Santos, na sua entrevista de há uns dias: aguentámos a II República tranquilamente. É a verdade! Uma verdade que, como se vê, continua hoje presente, tal como no-lo diz Baptista-Bastos naquele seu texto: as coisas possuem um sentido menos oculto do que aparentam, porque mesmo que Passos perca as eleições, qual o plano de Seguro? E, de facto, agora que se sabe da destruição das reformas a muito curto prazo, o que nos tem a dizer o PS, de Seguro ou de um qualquer outro? Nada! Simples denúncias e protestos, mas nunca o assumir de garantias aos portugueses.

Tal como se dá com Joaquim Jorge, também o dia a dia da generalidade dos portugueses é sempre tenso e desassossegado. Fazem pouco os portugueses, até no ato da escolha eleitoral, mas não param de ver crescer a sua revolta íntima perante a desgraça que lhes caiu em casa, em boa medida pelo poder de decisão que o sistema político democrático lhes veio proporcionar.

Claro que o país pobre e dependente que o governo deseja pode até estar melhor, mas os portugueses estão muito pior, como muito bem salienta Rosa Monteiro. Para já não referir que quando os abusos são o normal, a regra, e não a exceção, é muito difícil deixar de falar de política, vendo diariamente suceder ultrajes, tropelias.

E quem não se deu já conta de que este País está cheio de vândalos e, o pior de tudo, estes vândalos estão protegidos? Uma situação que se mostra completamente ligada à triste realidade de observar que o (dito) socialismo moderno é uma monstruosidade prescrita. Uma realidade muito bem analisada num texto de Alfredo Barroso, há (uns) dois anos: A CRISE DA ESQUERDA EUROPEIA, como nos refere naquele seu texto Baptista-Bastos.

Diz-nos Joaquim Jorge que uma sociedade não alcança nunca a plena liberdade sem que os cidadãos de um país tenham a perceção que há justiça e se castiga quem comete crimes. Mas será isto uma realidade válida em Portugal? Convém aqui ter presentes as palavras de Garcia dos Santos, atrás referidas: aguentámos a II República tranquilamente. É um tema sobre que num qualquer dia passado, talvez até já bem distante, me levou a definir a maneira portuguesa de estar na vida: não viu, não ouviu, não sabe, não pensa, obedece. Ou, de outro modo: o português não é, está.

Nós, quatro décadas depois da Revolução de 25 de Abril, não vivemos numa sociedade livre, porque uma sociedade livre tem que ser uma sociedade equitativa, digna e genuinamente democrática. Nós limitamo-nos a praticar, com civismo, mas crescentemente sem esperança nem interesse, a prática eleitoral. Depois, é a vida que corre, sempre com uma atitude que não é assim tão distante da assumida pela generalidade dos portugueses que sempre conheci. E de um modo que é muito geral. E porquê? Porque o português não é, está.

À beira dos meus sessenta e sete anos, desde quase sempre atento à coisa político-social, não recordo uma época tão perigosa para Portugal e para os portugueses como a atual. A vivência do nosso regime constitucional e do nosso sistema político permitiram que se impusesse o pior que os portugueses têm enquanto entidade coletiva: são, no plano individual, essencialmente bons e generosos, mas portam-se mal no plano coletivo, tendo tido o azar de não possuírem um sentimento forte de promoção do bem comum através de uma distribuição justa da riqueza que conseguem criar. Discordando de Maria Filomena Mónica em quase tudo, eu creio que lhe assistiu razão quando um dia referiu ser sua impressão que a admiração dos portugueses por Salazar resultará do reconhecimento da sua insuperável honestidade. Infelizmente, a nossa realidade social é a inversa e de um modo assustadoramente generalizado.

Disse-me um amigo meu, numa noite de 1998, no interior do seu carro, aqui bem perto de minha casa, que (em Portugal) quem é honesto é quem se lixa. No fundo, o mesmo que um advogado meu amigo defendeu um dia numa conversa telefónica entre os dois: que é que tu julgas, ó Hélio, o mal triunfa sempre. O grande mal – ou bem – de cada um são os genes, porque nem todos os estômagos toleram tudo. Parece que acabam por influir no próprio cérebro. Uma chatice, num país como Portugal. Uma chatice!

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