E a vida corre, sempre democraticamente

Hélio Bernardo Lopes
Há umas semanas atrás, no meio da balbúrdia criada na Venezuela pelos perdedores das eleições presidenciais mais recentes, e até de outras, surgiu o ambiente que se tem vindo a conhecer a um ritmo quase diário, mas que parece agora estar a sofrer alguma diminuição. E, como por igual se torna evidente, Nicolás Maduro está muito longe de, até agora, ter mostrado capacidade para enfrentar e ajudar a debelar a situação de vendaval que o rodeia.

Claro está que o que se constitui no centro do que ora decorre na Venezuela tem um nome simples e historicamente conhecido: petróleo. Tudo foi ter Hugo Chávez nacionalizado o petróleo, porque se se comportasse criminosamente, como se deu com Pinochet, ninguém no Ocidente levantaria um protesto público. Muito em especial nos Estados Unidos.

É até interessante constatar como os Estados Unidos deitaram mão para invadir o Panamá e prender Manuel António Noriega, sob a alegação de ser um narcotraficante, quando a propósito das declarações do general chileno, Manuel Contreras, antigo líder do serviço secreto do Chile de Pinochet, de que este e a sua família haviam criado e liderado uma rede narcotraficante internacional, nada disseram e menos fizeram.

Ora, neste caso recente da convulsão venezuelana, mal tiveram lugar as primeiras mortes, de pronto surgiram os bispos a protestar contra o uso excessivo da força. Como há um tempo atrás pude explicar, o excesso de uso da força, de parceria com o recurso ao Tribunal Penal Internacional, tornaram-se dois instrumentos da política internacional do Ocidente.

Em contrapartida, no derrube do presidente eleito da Ucrânia, tudo o que pôde ver-se foi considerado legítimo e merecendo todo o apoio do Ocidente, desde a tomada de ruas, passando pelo incêndio de veículos até à invasão de estruturas públicas ou privadas. Neste caso tudo isto passou logo a ser excelente, nunca envolvendo qualquer uso da força em excesso.

Mas nós até já tínhamos visto este filme na Argélia, depois da vitória da Frente Islâmica de Salvação, (FIS), sendo que mal terminaram as eleições vitoriosas, de pronto foram anuladas, seguindo-se a perseguição impiedosa contra milhares de membros da FIS.

Sabia-se, por todo o Ocidente, o que estava a passar-se, mas o silêncio foi a palavra de ordem. Até Mário Soares, ainda que de um modo suave, aflorou um dia essa mesma realidade criminosa.

Mas também no Darfoor se viu o horror que foi um saldo de mais de dois milhões de mortos, sem que ninguém no Ocidente, ou nas suas Nações Unidas, tivesse mostrado a vontade de pôr um fim em tal genocídio. Passaram-se, deste modo, dois anos de um morticínio relativamente raro, sem que o Ocidente se tivesse preocupado infinitesimalmente com o caso.

Pois, aí está agora o caso dos mais de quinhentos condenados à morte por um qualquer tribunal egípcio. São acusados de ataques contra edifícios governamentais e esquadras da polícia. Referem muitos egípcios, e tudo garante a veracidade de tal acusação, que os juízes egípcios estão submetidos aos militares. Mais: o referido tribunal não permitiu que fossem ouvidos os advogados de defesa nem as suas testemunhas. Mais uma vez, do Ocidente o que sobreveio foi o silêncio. Nem os nossos canais televisivos se determinaram, perante tal violação de direitos humanos básicos, a enviar os seus jornalistas, a fim de cobrirem a realidade em causa. Imagine isto, mas na Rússia de Vladimir Putin...

No entretanto, desde o golpe militar de Julho contra o presidente eleito, Morsi, milhares de membros da Irmandade Muçulmana foram detidos, com centenas deles sentenciados a cumprir pena de prisão. Sobreveio, como seria de esperar, o silêncio, dado que não é Vladimir Putin que dirige os destinos do Egito. Nem Nicolás Maduro ou Bashar Al-Assad. Tal como na Argélia com a FIS, o próprio Morsi, que venceu a eleição presidencial, foi destituído e preso, acusado, naturalmente, com a mesma base leviana das recentes condenações à morte. E que é feito do Ocidente ou das Nações Unidas? Bom, ainda não repararam no que está a passar-se...

Cá continuo à espera da determinação do nosso ministro Machete, tal como pude apreciar no caso da Crimeia. Talvez nos surja durante esta semana. Ou será que teremos de esperar pela seguinte? Sim, porque a vida corre, sempre democraticamente.

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