“You que sei? Lhembrancias de bidas passadas” é o primeiro de uma série de encontros que o Centro de Música Tradicional Sons da Terra vai promover

É já no próximo dia 18 de Junho, à noite, pelas 21.30h, que o centro na Casa da Cultura de Música Tradicional Sons da Terra de Sendim vai recordar os fiadouros mirandeses”.

“You que sei? Lhembrancias de bidas passadas”, é o primeiro de uma série de encontros e debates levados a cabo pelo Centro de Música Tradicional Sons da Terra com o apoio da Junta de Freguesia de Sendim.

Para esta sexta-feira o tema escolhido foi “Fiadouros & Outros Serões Mirandeses”.
Segundo a organização com estes eventos pretende-se “recuperar e registar as memórias ao mesmo tempo que se regressa ao passado”.

Esta vai ainda ser uma oportunidade para assistir ao filme “Querida Júlia” realizado em 1978, e que contará com a presença de alguns intervenientes.

O que são os fiadouros mirandeses?

Os fiadouros mirandeses são reuniões nocturnas, nos serões de Outono, ao ar livre em um recanto abrigado da aldeia onde as mulheres e raparigas de uma rua ou de um bairro se reúnem a fiar a lã e o linho, a cardar, a malhar, e a executar outros afazeres caseiros próprios da época e da região. Durante o tempo que eles duram cantam as velhas cantigas e as cantigas novas. Estas reuniões, a que os rapazes e os homens também se associam, eram as grandes escolas do cancioneiro e do conto popular. A língua falada é sempre o mirandês, mas canta-se também em espanhol e português. (António Maria Mourinho 1981).

Os fiadouros foram objecto de particular estudo e análise por parte do Padre António Maria Mourinho, pese embora o facto de terem sido através dos tempos particularmente visados pelas autoridades eclesiásticas, juntamente com muitas outras práticas específicas da vida cultural no Nordeste Transmontano.

Em boa verdade, António Maria Mourinho sempre procurou entender aquilo que considerava ser a verdadeira essência expressiva das tradições mirandesas, pugnando pela sua depuração de elementos adulterantes ou atentatórios da “pureza” e “autenticidade” originais, demarcando-se das disposições que decretavam no sentido da sua pura e simples erradicação da vida das comunidades rurais, como por exemplo sucedeu com uma pastoral datada de 18 de Dezembro de 1755, em que o Bispo da Diocese de Miranda, D. Frei João da Cruz proibia “os fiadouros públicos que se fazem de noite, assim nas ruas como nas casas, por serem ajuntamentos de homens e de mulheres”.

Esta pastoral reiterava o que já tinha constado na pastoral de 15 de Junho de 1744 de D. Diogo Marques Morado e idênticas proibições (visando não só os fiadouros) foram-se sucedendo, sem sucesso, por força da vontade das gentes em preservarem as suas tradições mas também de uma certa permissividade prudente dos padres das aldeias mais remotas e isoladas, pouco interessados em abrir conflitos com os seus paroquianos.

O Padre António Maria Mourinho sempre insistiu na necessidade em serem preservadas as tradições das gentes mirandesas mas considerando que “párocos de consciência esclarecida, autoridade firme e vigilância prudente e aturada, fariam espiritualizar a representação na sua pureza medieval”, assim se podendo evitar “desvios e excessos”.
Nos seus escritos perpassa a integração dos fiadouros em todo um mundo rural enaltecido de modo inequívoco (António Maria Mourinho, 1991).

Manifesta-se ainda nos serões mornos de Outono, ao ar livre, em plena rua, em volta de um fogueira colectiva, as mulheres a manipular e fiar a lã e o linho, os homens a preparar instrumentos leves de lavoura (aguilhadas, trasgas, forquilhas), onde se desdobra uma bobine de contos populares, de velhos rimances e canções, animadas até por vezes se terminar em clamorosas danças do terreiro.

António Maria Mourinho desde logo se apercebeu de que tais fiadouros eram já expressão de um mundo perdido que não deixou de lamentar não poder ser transmitido às novas gerações, tanto mais que os considerava como parte integrante fundamental daquilo que entendeu ser a verdadeira alma mirandesa (António Maria Mourinho, 1984).

Recordo com saudade e prazer a poesia campestre que brotava nas noites serenas de Outubro, dos recantos das aldeias mirandesas onde as mulheres novas e velhas e homens de todas as idades se juntavam em volta de uma fogueira comunitária, fiando nas rocas, cardando ou carmeando a lã ou sedando e fiando o linho, fazendo na meia, e os homens fazendo rocas ou tecendo cestos, ao som de velhos rimances e cantigas de amigo e de ocasião, a que chamávamos fiadouros.

Os rapazes levavam flautas ou realejos e acordeões ou até a gaita de fole, cantavam-se rimances, loas à Virgem, a Santo António e a Santa Bárbara e outras canções próprias dos fiadouros: contavam-se lendas, contos e episódios dos últimos acontecimentos sensacionais longínquos e vizinhos; contavam-se loas de cegos sobre crimes e sucessos românticos e outras maravilhas incríveis e, por fim do serão, terminava-se ainda com bailes e desgarradas… até às onze da noite.

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